|
As estantes são ruas. Os livros são casas onde podemos
entrar ou que podemos imaginar a partir de fora. Há livros que visitámos
e há livros onde vivemos durante certas idades, conhecemos
cada uma das suas divisões, trancámo-nos por dentro.
Fomos jovens durante tantos capítulos mas, de repente,
um dia, apercebemo-nos de que restavam cada vez menos páginas
entre o polegar e o indicador. Então, protestámos
contra a morte, dissemos que os livros de 600 páginas
não deviam terminar nunca e, logo a seguir, identificámos
o contrassenso da frase. Essa é a desvantagem de ler livros:
prestamos demasiada atenção às extravagâncias da sintaxe.
Ainda assim, aproveitamos os lucros da nostalgia, stock
infinito de tardes de um verão antigo. Éramos tão jovens,
e alguém nos acertou com um livro. Olhámos em volta
para achar o fantasma que o atirou, está aí alguém?
Quando voltámos ao nosso campo de visão, já estávamos
num lugar com parágrafos, a dizer que as estantes são ruas
e que os livros são casas, enquanto que os outros, todos eles,
diziam que as estantes são estantes e os livros são livros.
|
Les étagères sont des rues. Les livres, des maisons où
nous pouvons entrer ou imaginer du dehors. Il y a des livres que nous visitons,
et des livres avec lesquels nous avons vécu des siècles, nous
connaissons chacune de leurs pièces, retranchés à l'intérieur.
Jeunes, nous l'avons été durant bien des chapitres, mais
soudain un jour, nous avons réalisé qu'il reste de moins en moins de pages
entre notre pouce et notre index. Alors, nous avons
protesté contre la mort, dit que les livres de 600 pages ne
devraient jamais se terminer, puis, juste après, nous avons
perçu le contresens de cette phrase. C'est l'inconvénient de
lire des livres : nous prêtons trop d'attention aux extravagances
de la syntaxe. Néanmoins, nous éprouvons les bienfaits de la
nostalgie, réserve inépuisable des soirs d'un été révolu. Nous,
si jeunes, on est venu nous frapper avec un livre. Nous avons
cherché partout ce fantôme qui l'avait jeté. Y a-t-il quelqu'un ?
Lorsque nous sommes revenus à notre champ de vision, nous
étions déjà environnés de paragraphes, disant que les étagères
sont des rues et les livres, des maisons, tandis que les autres
disaient, les étagères sont des étagères, les livres des livres.
|