Essencialidade



Nom :
 
Recueil :
Source :
 
Autre traduction :
Nuno Rocha Morais »»
 
Poèmes inédits »»
nunorochamorais.blogspot.com (décembre 2025) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Essencialidade
Essentialité


O ar que respiro,
Respira-me:
Metade do ar é tempo.
L'air que je respire,
Me respire.
Une moitié de l'air est temps.
________________

Serge Hamad
Perception temporelle - 15 (2021)
...

Autobiografia


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
José Luís Peixoto »»
 
Regresso a Casa (2020) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Autobiografia
Autobiographie


Não é uma autobiografia.
Quando cito alguém, não me transformo
na pessoa que disse essas palavras
pela primeira vez. Todos os reflexos
distorcem, até o deste espelho,
sobretudo o deste espelho.
A minha história, contada por mim,
não é a minha história.

Mas é uma autobiografia.
O tempo e as tentativas de vivê-lo,
ou de narrá-lo, são irreversíveis.
Incrivelmente, dos 87 anos da tua vida,
há instantes que só eu recordo,
e, por isso, apesar de breves,
pertencem à minha vida. Além disso,
olhámo-nos nos olhos.
Ce n'est pas une autobiographie.
Quand je cite quelqu'un, je ne deviens pas
la personne qui a dit ces mots
pour la première fois. Tous les reflets
sont déformés, même celui de ce miroir,
surtout celui de ce miroir.
Mon histoire, racontée par moi,
n'est pas mon histoire.

Mais c'est une autobiographie.
Le temps, les tentatives de le vivre,
ou de le raconter, sont irréversibles.
C'est incroyable. Au cours des 87 années de ta vie,
il y a des moments dont tu es le seul à te souvenir,
et par conséquent, bien que très brefs,
ils appartiennent à ta vie. De plus, nous nous
sommes regardés dans les yeux.
________________

René Magritte
Décalcomanie (1966)
...

As páginas dos livros…


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
José Luís Peixoto »»
 
Regresso a Casa (2020) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


As páginas dos livros…
Les pages des livres…


As páginas dos livros colam-se aos dias, carregamos ecos.
Quando nos chamam leitores, não sabem nada sobre nós.
Suportamos segredos como falhas tectónicas, vertigens
que nos puxam. Movemo-nos como sombras no interior
desse mistério. Há uma música que nos enlouquece, que
nos ensurdece e, mesmo assim, não conseguimos parar
de segui-la. Chamam-nos leitores, mas não sabem nada
sobre nós.
Les pages des livres se collent aux jours, nous emportons
des échos. Lorsqu'on nous appelle lecteurs, on ne sait rien
sur nous. Les secrets, nous les supportons comme des failles
tectoniques, vertiges qui nous attire. Nous avançons comme
des ombres dans ce mystère. Il y a une musique qui nous
rend fou, qui nous assourdit, sans qu'on puisse s'empêcher
de la suivre. On nous appelle lecteurs, mais on ne sait rien
sur nous.
________________

Fernand Leger
La lectrice (1924)
...

As estantes são ruas…


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
José Luís Peixoto »»
 
Regresso a Casa (2020) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


As estantes são ruas…
Les étagères sont des rues…


As estantes são ruas. Os livros são casas onde podemos
entrar ou que podemos imaginar a partir de fora. Há livros
  que visitámos
e há livros onde vivemos durante certas idades, conhecemos
cada uma das suas divisões, trancámo-nos por dentro.
Fomos jovens durante tantos capítulos mas, de repente,
um dia, apercebemo-nos de que restavam cada vez
  menos páginas
entre o polegar e o indicador. Então, protestámos
contra a morte, dissemos que os livros de 600 páginas
não deviam terminar nunca e, logo a seguir, identificámos
o contrassenso da frase. Essa é a desvantagem de ler livros:
prestamos demasiada atenção às extravagâncias da sintaxe.
Ainda assim, aproveitamos os lucros da nostalgia, stock
infinito de tardes de um verão antigo. Éramos tão jovens,
e alguém nos acertou com um livro. Olhámos em volta
para achar o fantasma que o atirou, está aí alguém?
Quando voltámos ao nosso campo de visão, já estávamos
num lugar com parágrafos, a dizer que as estantes são ruas
e que os livros são casas, enquanto que os outros, todos eles,
diziam que as estantes são estantes e os livros são livros.
Les étagères sont des rues. Les livres, des maisons où
nous pouvons entrer ou imaginer du dehors. Il y a des livres
  que nous visitons,
et des livres avec lesquels nous avons vécu des siècles, nous
connaissons chacune de leurs pièces, retranchés à l'intérieur.
Jeunes, nous l'avons été durant bien des chapitres, mais
soudain un jour, nous avons réalisé qu'il reste de moins en
  moins de pages
entre notre pouce et notre index. Alors, nous avons
protesté contre la mort, dit que les livres de 600 pages ne
devraient jamais se terminer, puis, juste après, nous avons
perçu le contresens de cette phrase. C'est l'inconvénient de
lire des livres : nous prêtons trop d'attention aux extravagances
de la syntaxe. Néanmoins, nous éprouvons les bienfaits de la
nostalgie, réserve inépuisable des soirs d'un été révolu. Nous,
si jeunes, on est venu nous frapper avec un livre. Nous avons
cherché partout ce fantôme qui l'avait jeté. Y a-t-il quelqu'un ?
Lorsque nous sommes revenus à notre champ de vision, nous
étions déjà environnés de paragraphes, disant que les étagères
sont des rues et les livres, des maisons, tandis que les autres
disaient, les étagères sont des étagères, les livres des livres.
________________

Georg Reimer
En bibliothèque (1850-1866)
...

As águas passam…


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
José Luís Peixoto »»
 
Regresso a Casa (2020) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


As águas passam…
Les eaux s'écoulent…


As águas passam a velocidade
constante, o rio é um corpo. As
letras avançam pelas palavras,
avançam pelos versos, compõem
o poema. O poema é um corpo,
passa a velocidade constante.
A palavra medo não pode faltar
no poema, é levada pela corrente,
medo, palavra entre palavras,
distinta por um momento, medo,
e indistinta logo a seguir, passou
como passa tudo e, no entanto,
o seu significado permanece
ao longo dos versos seguintes,
alastra, contagia todo o poema,
ressoa, o medo ressoa até ser
inseparável das outras palavras,
até todas as palavras significarem
medo, como água ou como a força
da água, como velocidade constante.
O medo é grande e único, é um corpo.
Na margem do rio, estou sentado
num sofá. Vejo notícias na televisão,
como se assistisse à passagem do rio.
Deus, és tu que tens o telecomando?
Les eaux s'écoulent avec une vitesse
constante, le fleuve est un corps. Les
lettres avancent avec les mots,
avancent avec les vers, composent
le poème. Le poème est un corps,
il coule à vitesse constante. Le mot
peur ne peut être omis dans le
poème ; il est porté par le courant,
peur, un mot au milieu des mots,
distinct pendant un moment, peur,
et bientôt indistinct. Il est passé
comme tout passe, et pourtant
son sens demeure tout au long
des vers suivants, se répandant,
infectant tout le poème, résonnant,
la peur résonnant jusqu'à devenir
indissociable des autres mots,
jusqu'à ce que tous les mots signifient
peur, comme l'eau ou comme la force
de l'eau, comme une vitesse constante.
La peur est grande et unique, est un corps.
Au bord du fleuve, je suis assis sur un
canapé. Je regarde les infos à la télévision,
comme si j'assistais au passage du fleuve.
Dieu, est-ce toi qui tiens la télécommande ?
________________

Mario Schifano
Picasso à la télé (1974-1975)
...

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) Antonio Osorio (42) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (112) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eucanaã Ferraz (43) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Luís Peixoto (26) José Régio (41) José Saramago (40) José Tolentino de Mendonça (42) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Micheliny Verunschk (40) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (520) Paulo Leminski (43) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (328) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (48) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)