Quem foi pedra e peixe...


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Quem foi pedra e peixe...
Qui fut pierre et poisson...


Quem foi pedra e peixe antes de ser pássaro,
quem foi barro e árvore antes de ser nuvem,
quem foi homem antes de ser mulher
e mulher antes de ser homem,
pai antes de ser filho e vagido
antes de ser música
transporta um saber anterior
ao dom da palavra.
Qui fut pierre et poisson avant d'être oiseau,
qui fut argile et arbre avant d'être nuage,
qui fut homme avant d'être femme
et femme avant d'être homme
père avant d'être fils et vagissant
avant d'être musique
qui porte en soi un savoir antérieur
au don de la parole.
________________

Wangechi Mutu
Maman-raie (2020)
...

Entre as árvores e as pedras...


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Entre as árvores e as pedras...
Entre les arbres et les pierres...


Entre as árvores e as pedras que
se contemplam há séculos
no Claustro de Saint-Fulcran
introduzo a minha humanidade.
– Também eu, deixem-me sentar a vosso lado,
sou um bicho da terra. Uma nuvem
que passa, um pássaro
que já não sabe voar.

As pedras (árvores um pouco
mais antigas) e as árvores (aves
que todos os anos dão flor) deixaram
que me sentasse entre elas.
– Ao que vens? perguntaram.
– Sou poeta, sou um vaso que se abre
a todas as águas
mas estou cansado dos homens
e das suas guerras.

– Senta-te, esquece o corpo, aproxima-te
do começo do tempo.
E o meu corpo abriu-se em flor
e em pedra e em água como se nada fosse
ou sempre tivesse sido.
E a sombra da árvore foi uma praia
onde fui menino; e as pedras da catedral
deixaram que partilhasse com elas
o meu desamparado coração.
Entre les arbres et les pierres qui
se contemplent depuis des siècles
dans le cloître de Saint-Fulcran
j'apporte mon humanité.
– Laissez-moi m'asseoir moi aussi à vos côté,
Je suis une créature de la terre. Un nuage
qui passe, un oiseau
qui ne sait plus comment voler.

Les pierres (arbres un peu
plus âgés) et les arbres (oiselles ou oiseaux
qui tous les ans donnent fleur) me laisseront
m'asseoir parmi elles.
– Pourquoi es-tu venu ? m'ont-elles demandé.
– Je suis poète, un vase qui s'ouvre
A toutes les eaux
Mais je suis fatigué des hommes
et de leurs guerres.

– Assieds-toi, oublie ton corps, approche-toi
du commencement du temps.
Et mon corps s'est ouvert donnant fleur
et pierre et eau comme si de rien n'était
ou n'avait jamais été.
Et l'ombre de l'arbre devint une plage
où j'étais un enfant ; et les pierres de la cathédrale
me laissèrent partager avec elles
mon cœur désemparé.
________________

Emil Nolde
Lumière et eau (1930)
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Amar a vida inteira - 2


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Amar a vida inteira - 2
Aimer la vie par-dessus tout - 2


Foram aves polidas na boca dos poetas
e na boca do vento polidas
as palavras de lume
sobre as maravilhas do mundo e as outras,
as que foram criadas pelo homem, a quem a morte
jamais se furta quando ele demanda
auxílio. Palavras luminosas de agonia
que pedras cegas festejadas pelo sol e pelas águas
ouviram. O mistério ouviram, esse que perdura
tanto nos poemas como na sílica em sua disputa
pela arte mais obsessiva: o ofício
da duração. Amar a vida inteira.
Por mim, que fui feliz em Epidauro, em Jeita
e noutras camas de relva e caruma fui feliz
regresso a palavras como quem mergulha
num charco púrpura onde se ouve ainda
a voz do antiquíssimo
coração.
Il y eut des oiseaux délicats dans la bouche
des poètes et dans la bouche du vent
des paroles lissées de feu à propos
des merveilles du monde et de celles
créées par l'homme, qui n'échappe
jamais à la mort lorsqu'il cherche
de l'aide. Des paroles lumineuses d'agonie
que les pierres aveugles fêtées par le soleil et par les eaux
entendirent. Et le mystère entendu est celui qui dans
les poèmes perdure autant que la silice dans sa bataille
pour cet art le plus obsessionnel : celui de la
durée. Aimer la vie par-dessus tout.
Et moi, qui trouva du bonheur à Epidaure, à Jeita
et sur tous les autres lits d'herbe et d'ananas,
je fus heureux de revenir aux mots comme celui qui plonge
dans une piscine violette où l'on entend encore
la voix du cœur
antique.
________________

Stephen Wong Chun Hei
Piste MacLehose, Section 4 (2022)
...

Alguém me disse...


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Alguém me disse...
Quelqu'un m'a dit...


Alguém me disse que as aves choram
quando lhes falta o mar
por muito tempo. Não me parecem
tristes. Triste sou eu
diante das vagas
de quando fui jovem. A sombra delas na areia
tem o mesmo desenho
que meus olhos viram quando havia
paisagens. Agora,
sentado na minha rocha,
já não sei se vejo a natureza
ou se ela me vê a mim. Somos
a mesma boca, o mesmo olho obscuro
que reproduz a sombra e a sua luz.
Quelqu'un m'a dit que les oiseaux pleuraient
lorsque la mer leur manque
depuis longtemps. Ils ne semblent pas
triste. Mais triste, je le suis
devant les déferlements
de ma jeunesse. Leur ombre sur le sable
dessine un même contour,
les mêmes paysages que mes yeux
ont pu voir alors. Maintenant,
assis sur mon rocher,
je ne sais plus si je vois la nature
ou si c'est elle qui me voit. Nous sommes
la même bouche, le même œil obscur
qui reproduit l'ombre et sa lumière.
________________

Gianni Dova
Composition (1971)
...

A morte é uma flor que palpita...


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A morte é uma flor que palpita...
La mort est une fleur qui palpite...


A morte é uma flor que palpita
no branco da noite, um rosto antepassado
que não posso ver, um rictus terribilis
que me fascina e cega. Uma flor
distraída, pensam uns,
mas há outros que sentem o brilho
da sua navalha. Abre quando quer
o seu olho de Medusa. É
uma deusa. Acolho-me à sua sombra.
Peço ao poema que me ajude
a encontrar um sentido neste segredo
que todos bebemos
e não se esgota.
La morte è un fiore che palpita
nel bianco della notte, un volto antico
che non posso vedere, un rictus terribile
che mi affascina e acceca. Un fiore
distratto, pensano alcuni,
ma certi altri vedono il fulgore
della sua lama. Apre quando vuole
il suo sguardo di Medusa. È
una dea. Mi rifugio nella sua ombra.
Chiedo alla poesia che mi aiuti
a dare un senso a questo segreto
che tutti beviamo
e mai si esaurisce.
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Caravaggio
Bouclier avec tête de Méduse (1598)
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A casa de meu avô...


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A casa de meu avô...
La maison de mon grand-père...


A casa de meu avô ficou sempre
inacabada, a infância que lá vivi
também____ Os lobos do lugar,
onde já não há lobos,
mastigam a sua rosa no sangue
de outros corpos - o meu corpo não seria
uma casa, casa nenhuma
se ficasse concluído. Uma casa humilde,
mudável, interrompida
é uma espécie de poema onde o desejo de
permanecer é mais intenso
do que o desejo de pronunciar a palavra
“perfeição”: Uma coisa viva
jamais é perfeita. Em cada rosa
há um lobo que navega
onde parece não haver água
nem olhos nem coração que veja
o caminho da água.
La maison de mon grand-père est restée
pour toujours inachevée, l'enfance que j'y ai vécu
aussi____ Les loups du lieu,
où n'existe plus de loups,
mâche leur rose dans le sang
d'autres corps - mon corps ne serait pas
une maison, maison sans personne
si elle avait été achevée. Une humble maison,
mouvante, ininterrompue
est une sorte de poème où le désir de
demeurer est plus intense
que le désir de prononcer le mot
"perfection". Une chose vivante
n'est jamais parfaite. En chaque rose
il y a un loup qui navigue
là où il semble n'y avoir ni eau
ni regard ni cœur qui perçoit
le chemin de l'eau.
________________

Christopher Paudiss
Le loup, le renard et l'agneau (1666)
...

A terra perscruta o vento...


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nunorochamorais.blogspot.com (janvier 2023) »»
 
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A terra perscruta o vento...
La terra ascolta il vento...


A terra perscruta o vento,
Procura entender-me,
Escolhe-me uma alma,
Quem sou? quem és?
Tantos lugares e nenhum,
Tantas formas e nenhuma,
Não me entendas, não me entendas,
Aí é a tua casa.

La terre ausculte le vent,
Cherche à me comprendre,
Me choisit une âme,
Qui suis-je ? Qui es-tu ?
Tant de lieux et personne,
Tant de formes et personne,
Ne me comprends-tu pas, ne me comprends-tu pas,
Là est ta maison.

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Franco Azzinari
La colline sous le vent (2006)
...

Um homem vai na sua vida...


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Um homem vai na sua vida...
Un homme vit sa vie...


Um homem vai na sua vida,
transporta cuidadoso a balança
do coração, e subitamente
cai. E dói, a alma
dói, os ossos
doem menos. Um homem
deita-se onde calha, uma garrafa de vinho
ajuda — deita-se num travesseiro
de palha ou nos braços do ar
e afasta-se para longe no seu corpo
cansado, e dorme, repousa
apesar de tudo____ mas a alma,
senhores, a alma não vai nisso, ela continua
a doer a doer. Um homem
enrola-se nas águas do sono
e acaba no fundo mais fundo
da mãe. Faz
escuro___ leva-se lá para dentro
a experiência do mundo e já não é
o que era, já não encontro
a paz
de quando havia uma noite
acolhedora — já não há
nada. A pedra do ar cai-me em cima
ou sou eu quem nela
pacificado cai? Dói, meus amigos,
a loba a que chamam alma
dói —
não desarma. Canto. Ou é
um pranto? Cantarei
mais fundo, mais fundo ainda, um canto
cavo
de quem regressa a casa
e já não há casa.
Un homme vit sa vie,
transporte avec soin la balance
de son cœur, et soudainement
il tombe. Et il a mal, son âme
a mal, ses os
ont un peu moins mal. Un homme
s'allonge là où il faut, une bouteille de vin
l'aide - il s'allonge sur un oreiller
de paille ou dans les bras de l'air
et il s'écarte loin de son corps
fatigué, et il dort, et se repose
en dépit de tout____ mais son âme,
Messieurs, son âme, elle ne s'en va pas, elle continue.
de souffrir et souffrir. Un homme
s'enroule dans les eaux du sommeil
et finit au fond le plus profond
de sa mère. Il y fait
sombre___ il y emmène toute
l'expérience du monde et déjà n'est plus
ce qu'il était, déjà ne trouve plus
la paix
celle qu'il avait trouvé par une nuit
accueillante — déjà il n'y avait
plus rien. Le caillou de l'air me tombe dessus
ou bien suis-je celui qui
tombe, pacifié ? J'ai mal, mes amis,
la louve que l'on appelle l'âme
elle souffre —
ne se désarme pas. Chante. Ou est-ce
un pleur ? Je vais chanter
plus profond, encore plus profond, un chant
au creux
de celui qui retourne chez soi
et déjà n'a plus de chez soi.
________________

Max Beckmann
Homme qui tombe (1950)
...

Se o mundo não tivesse palavras...


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Se o mundo não tivesse palavras...
Si le monde n'avait pas de paroles...


Se o mundo não tivesse palavras
a palavra do mar, com toda a sua paixão,
bastava. Não lhe falta
nada: nem o enigma nem
a obsessão. Entregue ao seu ofício
de grande hospitaleiro
o mar é um animal que se refaz
em cada momento.

O amor também. Um mar
de poucas palavras.
Si le monde n'avait pas de paroles
la parole de la mer, avec toute sa passion
suffirait. Il ne lui manquerait
rien : ni l'énigme ni
l'obsession. Dévouée à son office
magistral d'hôtesse
la mer est un animal qui se recréait
à chaque instant.

L'amour aussi. Mer
de peu de paroles.
________________

Ivan Aivazonvsky
La neuvième vague (1850)
...

Quando me aproximo do mar...


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Quando me aproximo do mar...
Lorsque je m'approche de la mer...


Quando me aproximo do mar
tudo me parece aceitável.
As ondas são folhas que vão
a caminho da perfeição.
Perfeito é pois quem do tempo
 tem a longa paciência —
também a tenho quando escuto
a nervura mágica de tudo,
um tudo feito de sombras
que amaciam a pedra luminosa
que todas as coisas são.
Saltando de estação para estação
como se o caminho se fizesse,
sereno, entre o mar e o céu.
As ondas que vejo cair
também as sinto nas areias de mim
como se tudo, na barca deste mundo,
 fosse mar e luz.
Por isso a minha vida é intensa
e velha como a paciência
que não cessa de se renovar
no sangue da pedra, e das aves.
Lorsque je m'approche de la mer
tout me semble acceptable.
Les vagues sont des feuilles qui vont
leur chemin de perfection.
Car il est parfait celui qui du temps
a cette longue patience —
Je l'ai aussi lorsque j'écoute
la magique nervure du tout,
un tout fait d'ombres
qui adoucissent la pierre lumineuse
que sont toutes les choses.
Sautant de station en station
comme si le chemin devenait
plus serein, entre mer et ciel.
Les vagues que je vois tomber
Je les sens aussi sur mes propres sables
Comme si tout, dans la barque de ce monde
était mer et lumière.
Aussi ma vie est-elle intense
et vieille autant que la patience
Qui ne cesse de se renouveler
Dans le sang de la pierre, et des oiseaux.
________________

Constantin Aleksandrovich
Westchiloff (1930)
...

O que faço melhor...


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O que faço melhor...
Ce que je fais de mieux...


O que faço melhor é contemplar
e contemplo mal — o cristal dos meus olhos
está cansado e o sopro matinal
que tanto prazer me deu
desprende-se já do corpo
que julguei meu. Pouco a pouco,
contemplando as árvores e os seus frutos,
as aves e as suas plumas,
aprendi que não há
regresso. Ouço, palpo, não espero
nada. As nuvens navegam
brancas nos rios; as águas alimentam
fauna e flora; o gato,
caçador sentado,
assiste ao encontro adiado
das águas e da sede.
O que faço melhor é contemplar
o paraíso que vai nascendo.
Ce que je fais de mieux, c'est contempler
et je contemple avec peine – le cristal de mes yeux
est fatigué et le souffle du matin
qui m'a donné tant de plaisir
se déprend déjà du corps
que je croyais être le mien. Peu à peu
en contemplant les arbres et leurs fruits,
les oiseaux et leurs plumes,
j'apprends qu'il n'y a pas
de retour. J'écoute, je palpe, je n'attends
rien. Les nuages naviguent,
blanches rivières ; les eaux alimentent
la faune et la flore ; le chat
ce chasseur assis
observe la réunion ajournée
des eaux et de la soif.
Ce que je fais de mieux, c'est contempler
le paradis en train de naître.
________________

David Hockney
En regardant vers Huggate (2019)
...

Eu não sei o que faço aqui...


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Eu não sei o que faço aqui...
Je ne sais pas ce que je fais ici...


Eu não sei o que faço aqui
sei que faço alguma coisa
pequenas coisas sem importância
às vezes aborreço-me não é grave
fico apenas um pouco mais triste
depois levanto a cabeça
os ombros vacilam
transporto uma loba mas não sei até quando
uma loba que vai deixando o pelo
na casa do poema na cave acumulada
por um sábio que não sabe nada
nem cuidar de si nem cuidar
dos homens —
aparentemente foi tudo morrendo
neste reino de pequenos casamentos
de conveniência: ficaram
a insânia sem garganta e figuras de musgo
que não conhecem a separação entre o ser
e as nuvens
as nuvens que envolvem
os caminhos do corpo
as pegadas de um vírus que não cessa de
cantar o pó, tão fácil
de soprar. Chove. A chuva
pede que me cale.
Je ne sais pas ce que je fais ici.
Je sais que je fais certaines choses
de petites choses sans importance
Parfois, je m'ennuie, ce n'est pas grave.
Je suis juste un peu plus triste
puis je lève la tête
mes épaules vacillent
Je porte une louve, mais pour combien de temps.
une louve qui va laisser sa peau
dans la maison du poème la cave encombrée
par un sage qui ne sait rien
ni ne se soucie de lui-même ni ne se soucie
des hommes —
apparemment tout est en train de mourir
dans ce royaume des petits mariages
de complaisance : il reste
la folie sans voix et les figures de mousse
qui ne connaissent pas la séparation entre l'être
et les nuages
les nuages qui enveloppent
les chemins du corps
les traces d'un virus qui n'arrête jamais
de chanter la poussière, si facile
à souffler. Il pleut. La pluie
demande que je me taise.
________________

Heather Hartman
Graines de cannabis (2022)
...

A contemplação da morte...


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A contemplação da morte...
A contemplação da morte...


A contemplação da morte salva os homens,
dizia Epicuro. Ainda não sei
o que fazer, vou contemplando
os campos em volta, os vinhedos, os
moinhos e trago-te minha amiga
um ramo de orégãos — coisa melhor não tiveram
 os deuses
quando deuses houve. Orégãos
e cristais coloridos
nestas mãos que detêm o segredo
do ar bravio. Com elas te acaricio
antes que a terra me ofereça
outros tesouros. Cair assim
é uma espécie de flutuação que salva
quem não espera salvação nenhuma.
Quando os corpos se amam
eleva-se um templo invisível
onde a fúria se instala —
nem só de vinho
se embriaga um homem.
 
La contemplation de la mort sauve les hommes,
a dit Épicure. Je ne sais toujours pas
quoi faire, je continue de contempler
les champs alentour, les vignobles, les
moulins, et je t'apporte mon amie
un brin d'origan — il n'y eut jamais chose meilleure
  chez les dieux
quand il y avait des dieux. De l'origan
et des cristaux de couleur
entre ces mains qui détiennent le secret
De l'air sauvage. Avec eux, je te caresse
Avant que la terre ne m'offre
d'autres trésors. Tomber ainsi
est une sorte de fluctuation qui sauve
celui qui n'attend aucun salut.
Quand les corps s'aiment
s'élève un temple invisible
où la furie s'installe —
il n'y a pas que le vin
qui saoule un homme.
________________

Joan Miró
Bouteille de vin (1924)
...

A alegria dos pés na terra molhada


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Animal Volátil (2002) »»
 
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A alegria dos pés na terra molhada
La joie des pieds sur la terre humide


Quando as palavras se deixam possuir
como se fossem raízes e ossos leves que trepam
à montanha
ouço a infância, o som do berlinde, a flauta
do anjo anunciador da chuva
e a formiga da mãe a enxotar-me
para a escola onde aprendi
a ler no quadro da janela
as metamorfoses do céu. A poesia escreve-se
copiando os mestres, imitando mal
as fontes naturais: as patas
da água
descendo pela serra; a melopeia silenciosa
do azeite; a boca do vento
nas telhas da velha casa 
do monte; a chama interior
dos cavalos
e dos cães da família: de manhã
pela mão do avô
eu partia de visita às árvores
e aos pássaros — esta é uma cerejeira, aquela,
a dona nogueira, olha
um picanço! a que parece muito cansada
é a figueira, Vamos comer um? O avô
pegava nele como se fosse um animalzinho
acabado de nascer, um pássaro com pétalas e já morto
na boca sedenta e logo
saciada. Um figo é uma
dádiva do sol e da terra e da nossa
humilde fome, e tudo são figos, ah não comas,
não comas nunca nada
sem fome. Ouço —
aprendi nesses dias a ouvir
o melhor da infância: água
na língua
quando a morte é gémea e se
aproxima.
Lorsque les mots se laissent prendre
pareils à des racines et des os légers gravissant
la montagne
j'écoute mon enfance, les billes qui bondissent, la flûte
de l'ange annonciatrice de la pluie
et ma mère affairée me pressant de partir
à l'école où j'ai appris
à lire sur le rebord de la fenêtre
les métamorphoses du ciel. La poésie s'écrit
en copiant les maîtres, en imitant mal
les sources naturelles : les pattes
de l'eau
qui descendent de la montagne ; la mélopée silencieuse
de l'huile ; la bouche du vent
sur les tuiles de la vieille maison
au pied de la colline ; la flamme intérieure
des chevaux
et des chiens de la famille : de bon matin
guidé par la main de grand-père
j'allais visiter les arbres
et les oiseaux — celui-ci c'est un cerisier, celui-là,
le noyer, regarde,
il y a une pie-grièche ! celui qui a l'air très fatigué
c'est le figuier, On en mange une ? Mon grand-père
la recueillant comme s'il s'agissait d'un petit animal
venant de naître, un oiseau avec des pétales et déjà mort
dans la bouche assoiffée et bientôt
rassasiée. Une figue est un
cadeau du soleil et de la terre et de l'humilité
de notre faim, et tout est figue, ah ne pas manger,
ne jamais rien manger
sans avoir faim. J'écoute —
j'ai appris à cette époque à écouter
le meilleur de l'enfance : l'eau
de la langue
lorsque la mort est jumelle et s'
approche.
________________

Berthe Morisot
Eugene Manet et sa fille dans le jardin de Bougival (1883)
...

Se eu pudesse deixar de correr...


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Na via do mestre (2000) »»
 
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Se eu pudesse deixar de correr...
Si je pouvais cesser de courir...


Se eu pudesse deixar de correr
Caminhava se eu pudesse deixar de caminhar
Sentava-me à sombra da nogueira azul do céu

Se eu pudesse deitar-me deitava-me
Numa cova com a forma do meu corpo em
Repouso se eu pudesse deixar de cantar
Fechava os olhos e olhava o alto vazio

Onde não acontece nada a não ser
A conciliação provisória do caos
E da luz que não se cansa de nascer.
Si je pouvais cesser de courir
Je marcherais si je pouvais cesser de marcher
Je m’essayerais à l'ombre d'un noyer bleu-ciel.
 
Si je pouvais m'allonger, je m'allongerais
Dans une fosse ayant la forme de mon corps au
Repos si je pouvais cesser de chanter
Je fermerais les yeux et regarderais le grand vide.
 
Où il ne se passe rien excepté
La conciliation temporaire du chaos
Et de la lumière qui ne se lasse pas de naître.
________________

Camille Pissarro
Lever du soleil sur la mer (1883)
...

Tu que não cabes em casa nenhuma...


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Opus afetuoso (1997) »»
 
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Tu que não cabes em casa nenhuma...
Toi qui n'a de place en aucune maison...


Tu
que não cabes em casa nenhuma
tu
que vais leve como as nuvens
no outono
habitas em mim e ouço
o teu perfume a tua
respiração
nas rosas que se abrem
e dissipam
no meu poema.
Toi
qui n'as de place en aucune maison
toi
qui t'en vas légère comme les nuages
en automne
tu vis en moi et j'écoute
ton parfum ta
respiration
parmi les roses qui s'ouvrent
et se dissipent
dans mon poème.
________________

Pierre Amédée Marcel-Béronneau (élève de Gustave Moreau)
Orfée (1897)
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Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

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