« Le bal au Moulin de la Galette »


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«Le bal au Moulin de la Galette»
« Le bal au Moulin de la Galette »


A dança é a primeira arte da metamorfose:
Operários, costureiras, que a música arranca
Ao seu torpor de primeiros autómatos,
Ligam-se aqui pelos fios de ínfimas narrativas
A burocratas, marginais, impressionistas,
Sob a luz caprichosamente coada pelas árvores
De um domingo à tarde, em Montmartre.
Mas como saber quem muda? E como? E quanto?
E mudará alguém que esteja no quadro?
Artes políticas, a dança e a pintura,
Precisamente porque omissas –
Como se, esquecendo, não esquecessem,
Mas antes gritassem, a pólvora, as barricadas,
As baterias, os fuzilados da Comuna,
A construção, em represália, de uma basílica,
Sinal de vigilância moral
Sobre as facilidades da virtude, os ritmos dissolutos.
A dança e as suas íntimas narrativas
Pintadas com paciência chinesa
Sobre a porcelana de um domingo à tarde,
Pintadas com os olhos de um pescador.

La danse est l'art premier de la métamorphose :
Ouvriers, couturières, que la musique arrache
À leur torpeur de premiers automates,
Sont reliés ici par les fils de récits infimes
À des bureaucrates, marginaux, impressionnistes,
Sous une lumière capricieusement tamisée par les arbres
D'un dimanche après-midi, à Montmartre.
Mais sait-on ce qui a changé ? Comment, et combien ?
Et quelqu'un changera-t-il dans ce tableau ?
Arts politiques, la danse et la peinture,
Plus précisément par ces omissions –
Comme si, oublieux, ils n'oubliaient pas
mais criaient plutôt, la poudre, les barricades,
Les batteries, les fusillades de la Commune,
En représaille, la construction d'une basilique,
Symbole de surveillance sociale
Contre les facilités de la vertu, les mœurs dissolus.
La danse, et ces récits intimes,
Peinte avec une patience chinoise
Sur la porcelaine d'un dimanche après-midi,
Peinte avec les yeux d'un pêcheur.

________________

Auguste Renoir
Le bal au Moulin de la Galette (1876)
...

Mársias e a cintigrafia


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Mársias e a cintigrafia
Marsyas et la scintigraphie


Mársias cintila. É belo assim recortado,
Mudado por Apolo numa paisagem radioactiva.
O deus, com grandes incêndios, deu início
A uma caça à alma, ainda e sempre a monte.
Apolo é paciente, sabe que nada
Sobreviverá à devastação química
Com que fará pagar o desafio de Mársias –
Ter apregoado a impiedade do sol,
Ter-se jactado – O sol é meu inimigo –
Para se arrancar à sua insignificância.
Apolo não o esfolará vivo:
Reserva-lhe pior – uma sorte de laboratório.
Apolo admira os músculos tangidos,
A precisão dos órgãos,
O brilho viscoso das vísceras,
A coralina arborescência
De vasos, veias, fibras,
O impulso arquitectónico de um grito,
A polpa pulsante do vivo em agonia –
Apolo ama esta luz que tudo arranca.
Sobretudo, é preciso que Mársias
Suplique ainda alguma clemência divina,
Para que a sua carne se torne mais funda,
O seu sangue, mais rico,
Para que a dor se expanda
Seguindo essa esperança condutora
Que o deus, com um sopro, fará vã.

Il scintille Marsyas. Comme il est beau d'être ainsi
Écorché, par Apollon changé en un paysage radioactif.
Le dieu a donné, par de grands feux, le début
D'une chasse à l'âme qui, par les monts, courre toujours.
Apollon est patient, il sait que rien
Ne survivra à la dévastation chimique
Avec laquelle il fera payer le défi de Marsyas –
Avoir proclamé l'impiété du soleil,
S'être vanté - Le soleil est mon ennemi –
de pouvoir s'arracher à son insignifiance.
Apollon ne t'écorchera pas vif :
Il te réserve bien pire – une sorte de laboratoire.
Apollon admire les muscles tangibles,
La précision des organes,
Le brillant visqueux des viscères,
La coralline arborescence
Des vaisseaux, veines et fibres,
La pulsion architectonique d'un cri,
Le pouls qui pulse d'une vie à l'agonie –
Apollon aime cette lumière qui arrache tout.
Il faut d'abord et avant tout que Marsyas
Implore quelque divine clémence
Afin que sa chair devienne plus profonde,
Son sang, plus riche,
Afin que la douleur se répande
Selon cet espoir conducteur
Que le dieu, en un souffle, rendra vain.

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Le Titien
Le supplice de Marsyas
(1575-76)
...

Uma sirene de fábrica...


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Uma sirene de fábrica...
Une sirène d'usine...


Uma sirene de fábrica, um alarme na rua –
A fala mansa, sob aparência estrídula,
De uma tessitura em que o mundo é, a um tempo,
Insecto e teia, só com mera mudança de turno,
Mas continuando a perseguir pelo menos
A existência de mais um instante.
Sobre esta tessitura, a outra, gelada,
Uma dispersão de pontos,
A margem pênsil, afinal uma linha,
Onde o espaço é funâmbulo
E, à sua volta, um negro amniótico
Que dorme o sono dos náufragos,
Sem sonhos, ou em devir,
Uma massa compacta
De restos de sóis, mundos extintos,
Flutuando sem deriva,
Encontrando o lugar exacto
Que lhes pertence no esqueleto invisível.

Une sirène d'usine, une alarme dans la rue -
La voix docile sous des apparences stridulantes,
D'une tessiture en laquelle le monde est, à la fois,
Insecte et toile, juste avec un simple changement de quart,
Mais continuant de poursuivre son existence,
Ne serait-ce qu'un instant de plus.
Sur cette tessiture, l’autre, glaciale,
Une dispersion de points,
la marge en suspension, finalement un fil,
Où l’espace est funambule
Et, alentour, un noir amniotique
S'endormant du sommeil des naufragés,
Sans rêves, ni devenir,
Une masse compacte
De soleils, de mondes éteints,
Flottant sans dérive,
Trouvant l'endroit exact
Qui leur appartient dans le squelette invisible.

________________

Tobia Ravà
Système entropique, Harmonie universelle (2015)
...

Der blaue Reiter


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Der blaue Reiter
Le cavalier bleu


Esperei-o, dia após dia,
Ao cavaleiro azul, e não sei porquê.
Os olhos percorreram o prado
E a floresta, mais acima,
Esperando que do longo tempo da esperança
Emergisse o cavaleiro azul.
Talvez tivesse já passado,
Talvez já não viesse.
Veio, mas não o vi,
Tão somente ouvi o seu tropel
Por estas palavras
E é nelas que prossegue viagem
E abre um trilho que já não posso seguir,
O cavaleiro azul.
O sol, aqui, entra já na sua oclusão,
Para crescer aí, aí onde estás tu.
E se ouvires o cavaleiro azul,
Sai-lhe ao caminho, fá-lo parar,
Sabe quem é e ao que veio.
Fala-lhe. Dá-lhe de ti
O que tiveres para o salvar
E estará cumprido o poema.

Je l'ai attendu, jour après jour
Le cavalier bleu, sans bien savoir pourquoi.
Mes yeux ont parcouru le pré
Et, la forêt plus haut,
Espérant que du long temps de l'espoir
émergerait le cavalier bleu.
Peut-être est-il déjà passé,
Peut-être qu'il ne reviendra plus.
Qu'il est venu, sans que je le vois,
Je n'ai entendu que le bruit de son galop
dans ces paroles
Et c'est en elles qu'il poursuit son voyage
Et ouvre une piste où je ne peux plus suivre,
Le cavalier bleu.
Déjà, le soleil entre ici dans son déclin,
Pour croitre ailleurs, là où tu te trouves.
Et si tu entends le cavalier bleu,
Fais-le sortir de son chemin, qu'il s'arrête,
Sache qui il est et d'où il vient.
Parle avec lui. Donne-lui, de toi,
Ce qu'il faut pour le sauver,
Et le poème ainsi s'accomplira.

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Franz marc - Turm der blauen Pferde (1913)
Gouache et encre de Chine
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Como fotografia de família...


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Como fotografia de família...
Comme une photographie de famille...



Como fotografia de família
O recorte dos rochedos arreganhados
Contra o Atlântico hirsuto.
Dir-se-ia que são eles a investir,
Na sua obstinação muda e imóvel,
Contra as vagas, que desfazem e calam
Em estilhas de espuma.
Mais tarde, na maré vaza, os rochedos
Terão regaços de água morna,
Um cheiro a sexo e choco,
Um calor que abraça,
Pegajoso, enjoativo,
De uma ternura dúplice.
Comme une photographie de famille
La découpe des rochers déchiquetés
Contre l'Atlantique hirsute.
On dirait que ce sont eux qui se soulèvent,
Avec leur obstination muette et immobile,
Contre les vagues, qui se défont et finissent
Par se taire en copeaux d'écume.
Plus tard, à marée basse, les rochers
Iront se blottir dans une eau tiède,
Une odeur de sexe et de seiche,
Une chaleur qui embrasse,
Collante, écœurante
D'une tendresse duplice.

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Paul Gauguin - La vague (1888)

Relatório


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Relatório
Compte-rendu


Faço o inventário dos móveis nesta casa vazia,
com um caderno de escola, enchendo as linhas
com um desenho minucioso de palavras:
um armário de almas, uma cadeira de balouço,
um aparador de ecos, uma mesa sem pernas,
um espelho de sombra, um ângulo interrompido
na cesura do verso, uma estante de imagens.

Levo esta lista ao notário; e peço-lhe que
risque os objectos inúteis, para que o caderno
sirva para alguma coisa. Mas ele pede-me que
substitua as palavras pelos objectos. Então,
ponho a alma no armário, balouço o corpo na
cadeira, grito no abismo do aparador, faço
andar a mesa, olho-me no espelho do verso,
e tiro da estante todas as imagens.

«Que casa é esta?», pergunta-me o
empregado. Digo-lhe que as salas são
as estrofes, que os muros são feitos com
o tijolo dos versos, que um gesso de rimas
preenche os interstícios. Só não sei indicar
a rua, o número, a cor das paredes. É uma casa
que não existe, embora seja a minha casa.

E esvazio-a de móveis, de objectos, de palavras,
até ficar apenas com o poema que a construiu.

De cette maison vide, j'inventorie les meubles,
muni d'un cahier d'écolier, remplissant les lignes
avec le dessin minutieux des mots :
un buffet des âmes, une chaise à bascule,
un dressoir d'échos, une table sans pieds,
un miroir d'ombre, un angle interrompu
à la césure des vers, une archelle d'images.

Je porte cette liste chez le notaire ; et le prie
de barrer les objets inutiles pour que ce cahier
serve à quelque chose. Mais il me demande
de remplacer les mots avec des objets. Donc
Je mets mon âme dans le buffet, balance mon corps
sur la chaise, cries dans l'abîme du dressoir, fait
tourner la table, me regarde dans le miroir des vers,
et je retire toutes ces images de l'archelle.

« Quelle est cette maison ? » me demande l'
employé. Je lui dis que les chambres sont
les strophes, que les murs sont faits avec
la brique des vers, qu'un plâtre de rimes
emplit les interstices. Je ne sais comment désigner
la rue, le numéro, la couleur des murs. C'est une maison
qui n'existe pas, bien qu'elle soit ma maison.

Et je la vide de ces meubles, objets et mots,
jusqu'à ce que seul le poème l'a construise.


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Edward Hopper
Maison au bord de la voie ferrée (1923)
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Para escrever o poema


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Para escrever o poema
Pour écrire un poème


O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.

O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.

O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.

Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.

Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.

Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.

Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.

A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.

E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.

E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.

O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.

Le poète veut écrire sur un oiseau:
mais l'oiseau s'échappe de ses vers.

Le poète veut écrire sur la pomme:
mais la pomme posée tombe de sa branche.

Le poète veut écrire sur une fleur:
mais la fleur se flétrit au vase de la strophe.

Alors le poète fait une cage de mots
pour que l'oiseau ne s'enfuit pas.
Alors le poète fait appel au serpent
pour qu'il séduise Eve et qu'elle morde la pomme.

Alors le poète met de l'eau dans sa strophe
pour que la fleur ne se fane pas.

Mais un oiseau ne chante pas
s'il est enfermé dans une cage.

Un serpent ne sort pas de terre
si Eve a la peur des serpents.

Et l'eau qui devait garder la fleur
en vie, s'écoule entre les vers.

Et lorsque le poète posa sa plume,
l'oiseau commença de voler,
Eve courut au milieu des pommiers
et toutes les fleurs sortirent de terre.

Le poète pris de nouveau sa plume,
écrivit ce qu'il venait de voir,
et le poème fut terminé.


________________

Paul Klee
Paysage aux oiseaux jaunes (1923)
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Eva


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Eva
Ève


Quando Eva andava nua pelo paraíso,
disfarçava o tédio à sombra das árvores,
colhendo as flores, cheirando o seu perfume,
e pensando como seria bom ter um céu
para espreitar.

Um dia, uma dessas flores transformou-se
em fruto; e Eva levou-o à boca,
trincou-o, provou a sua polpa.
Por um estranho efeito
de causa e consequência, o sabor da maçã
obrigou Eva a cobrir a sua nudez
com folhas e flores, que passaram
a ser uma metáfora do corpo
que escondem.

Então, o pecado tornou-se uma simples
figura de retórica, e o sexo um exercício
de interpretação.

Lorsqu'elle marchait nue au paradis,
Ève cachait son ennui à l'ombre des arbres,
elle cueillait des fleurs, et sentait leur parfum,
en songeant qu'il serait bon d'avoir un ciel
pour observer.

Un jour, une de ces fleurs se transforma
en fruit ; Ève le porte à sa bouche,
elle le croque, et goûte à sa pulpe.
Par un bien étrange effet
de cause à conséquence, le goût de la pomme
oblige notre Ève à couvrir sa nudité
avec des feuilles et des fleurs, qui passent depuis
pour être une métaphore du corps
qui se dérobe.

Et c'est ainsi que le péché tourna à la simple
figure de rhétorique, et le sexe à un exercice
d'interprétation.


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The Expulsion of Adam and Eve from the Garden of Eden
Milton's Paradise Lost
William Blake's illustrations (1807)
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Verbo


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Verbo
Verbe


Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras.

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Je mets des mots sur la table ; et les abandonne
pour qu'ils s'en servent, découpés en tranches, syllabe
après syllabe, pour qu'ils les portent à leur bouche – où les mots
se remettent à coller, pour retomber ensuite sur la table.

Ainsi, nous conversons les uns avec les autres. Échangeant
des paroles ; et nous en volons d'autres lorsque nous les
attrapons ; et nous en donnons lorsque nous savons qu'il
y en a trop. Et en toute conversation, des mots, il y en a trop.

Mais il y a les mots qui restent sur la table quand
nous nous en allons. Ils ont froid la nuit venant ; et si
une fenêtre s'ouvre, le vent les jette par terre. Le lendemain,
la femme de ménage devra les jeter à la poubelle.

Aussi, lorsque nous nous en allons je vérifie les mots
qui sont restés sur la table ; et les mets dans ma poche, sans rien
demander à personne. Puis je les garde dans le tiroir à poèmes.
Un de ces jours, ces mots, ils me serviront à quelque chose.


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Renato Guttuso
Café Greco (1976)
...

Braile


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Braile
Braille


Leio o amor no livro
da tua pele; demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se
juntam, como corpos, no abraço
de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele.

Je lis l'amour au livre
de ta peau ; je m'attarde sur chaque
syllabe, au doux sillon
des voyelles, au bref obstacle
des consonnes, où mes doigts
pénètrent jusqu'à ce qu'ils atteignent
au plus profond des sens. Je feuillette
les pages qui m'ouvre ton désir,
J'écoute le murmure d'une griffe
de mots qui se rejoignent,
comme des corps, dans l'étreinte
de chaque phrase. Et j'arrive à la fin
retournant au début, embelli de tout
ce que je sais déjà, nouveau toujours,
le lisant sur ta peau.


________________

Camille Claudel
La valse (1889-1901)
...

Joseph Brodsky


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Joseph Brodsky
Joseph Brodsky


Só pelos poetas se não chora com palavras
E não gostarias de uma elegia
Onde a tua morte corresse
Entre as margens de uma dor e um desamparo,
Balbuciantes, confusos,
Baba de velhos a quem tudo ultrapassa.
O verso é uma arquitectura insondável
Que esconde um leão —
É só o que, como elegia, te deixo,
A tua lição que talvez não tenha aprendido.
Não gostarias de uma elegia,
Sobretudo dessa em que te lembrassem
Que cada grão de areia desta realidade
É um exílio, uma distância imarcescível.
E esqueço a elegia,
Onde apenas se choram os vivos
E por quem a escreve.

Ne pleure avec des mots que pour les poètes,
Tu n'aimerais pas d'une élégie
Où ta mort irait courir
Entre les marges d'une douleur et d'un désarroi,
Balbutiants, confus,
Bave des vieux que tout dépasse.
Le vers est une architecture insondable
Où se cache un lion —
Tout ce que je te laisse comme élégie,
C'est ta leçon, que peut-être je n'ai pas apprise.
Tu n'aimerais pas d'une élégie,
Surtout celle qui te rappellerait
Que chaque grain de sable de cette réalité
Est un exil, une distance immarcescible.
Et j'oublie l'élégie,
Où ne pleurent que ceux qui restent
Et pour lesquels tu l'écrirais.

________________

Lithographie de Pablo Picasso (1949)
pour Élégie d'Ihpétonga (& Masques de cendre)
de Yvan Goll
...

Como se faz o poema


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Como se faz o poema
Comment fait-on un poème


Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores
[que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.

Pour réussir un poème il ne sert à rien de disposer
des moyens de la rhétorique. Une poème est chose simple qui
ne requiert ni recherches ni formules. Prenez une fleur
par exemple, mais pas une de celles qui poussent au milieu
[des champs,
ni de celles qui se vendent aux étals ou sur les marchés.
Que ce soit une fleur de syllabes, dont les pétales
sont des voyelles, et la racine une consonne. Mettez-la dans
le vase de la strophe, et laissez-la être. Afin qu'elle ne meure,
saupoudrez l'eau d'un peu de printemps, cela suffit
à réveiller son imagination, quand le jour est à la pluie,
ou faîtes le rentrer par la fenêtre, pour que l'air frais
du matin remplisse la pièce de bleu. La fleur alors
va se confondre avec le poème, mais ce n'est pas encore
le poème. Pour qu'il naisse, la fleur a besoin
de trouver des couleurs plus naturelles que celles
que la nature lui a données. Ce pourrait être les couleurs
de ton portrait -- ta pâleur quand le soleil vient vers toi,
ou le fond de tes yeux dans lequel toutes les couleurs
de la vie se fondent avec le brillant de la vie. Et puis,
jette ces couleurs sur la corolle, et vois comme elles descendent
jusqu'aux feuilles, comment coule la sève dans
les veines invisibles de l'âme. Tu peux alors cueillir la fleur,
et ce que tu tiens entre tes mains est ce poème
que tu me donnes.


________________

Guillaume Apollinaire
Fleurs (1918)
...

Nem sempre o mundo cai de pé...


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Nem sempre o mundo cai de pé...
Le monde ne retombe pas toujours...



 Para a Luísa

Nem sempre o mundo cai de pé,
Mas às vezes acontece,
E assim fica, serenamente pousado,
Como essa laranja em noite de Consoada,
Embrulhada junto àquilo a que, por tradição natalícia,
Chamavam chaminé,
Laranja que veio da Bahia,
Comida com método e cuidado,
Presente de família pobre.
Oxalá a memória acabe sempre
Por nos achar e trazer esta luz
Redonda, plácida, pousada,
Sem translação ou lado oculto,
Terra rara que concentra de nós
O mais elementar, o mais fundo,
O mais perdidamente frágil –
Um afecto que nem sempre nos será perdoado
Porque é da sua natureza o mal-entendido.
 Pour Luisa

Le monde ne retombe pas toujours sur ses pieds,
Mais parfois, cela arrive,
Et, il en est ainsi, comme de cette orange,
Sereinement déposée, dans la nuit du Réveillon,
Emmitouflée dans ce que, par tradition de Noël,
On nomme chausson de cheminée
Orange qui vient de Bahia,
Nourriture préparée avec soin,
Présent de famille pauvre.
J’espère que la mémoire finira toujours
Par nous trouver et nous apporter cette
Ronde lumière, calme et reposante,
Sans traduction ou côté secret,
Terre rare qui concentre sur nous
La plus élémentaire, la plus profonde,
La plus éperdument fragile –
Des affections qui ne nous sera pas toujours pardonnée
Parce qu'il est dans sa nature d'être mal-comprise.

________________


Vassily Kandinsky
Composition X (1939)

Génesis


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Génesis
Génèse


No princípio era o verbo, e eu traduzia-o
em palavras com um sentido fundo como o poço
de onde as mulheres puxavam os baldes de água,
à tarde, para refrescar o chão de agosto. Nas
cordas de roupa do quintal, eu estendia as palavras
para as secar: e via o sol atravessá-las até ao osso,
dissecando o seu corpo mais vago — as vogais fechadas
do fim, ou a enunciação de um infinito
Até ao limite do verbo.

No principio também eram as coisas: umas
sobre as outras, no alinhamento curvo do destino,
como se não estivessem para cair nessa trepidação
de rimas que um fim de verso pode trazer. Então,
levantava-as do chão onde se tinham partido em pedaços,
as coisas brancas da lua e as coisas vermelhas do sol,
e colava-as na parede, vendo o muro subir
até ao tecto celeste.

E no fim, volta a ser o verbo. Arranha-me a língua
com as suas unhas de consoantes; e pego-lhe ao colo,
para que não fira os pés nas pedras do campo, ouvindo
a sua voz de carne e osso escrever-me, no fundo
da cabeça, e a toda a largura da alma, a frase
redonda do amor. Trabalho a sua sintaxe, até
descobrir as articulações do segredo; e abraço
o corpo que nasce na conjugação
das suas pálpebras, abertas até ao fundo
dos olhos, onde te vejo.

Au commencement était le verbe, et je l'ai traduit
en paroles avec un sens profond comme le puits
où les femmes viennent tirer des seaux d'eau,
le soir, pour rafraîchir le sol au mois d'août. Sur les
cordes à linge de la cour, j'ai étendu les paroles
pour les sécher : et j'ai vu le soleil les traverser jusqu'à l'os,
disséquant leur corps plus abstrait – les voyelles fermées
de la fin, ou l'énonciation d'un infini
jusqu'à la limite du verbe.

Au commencement étaient aussi les choses : les unes
sur les autres, dans l'alignement courbé du destin,
comme si elles s'apprêtaient à tomber dans cette appréhension
des rimes qu'une fin de vers peut comporter. Aussi
les ai-je soulevées du sol où elles étaient en morceaux,
choses blanches de la lune et choses rouges du soleil,
et je les ai collées au mur, voyant la paroi s'élever
jusqu'au plafond céleste.

Et à la fin, il y eut à nouveau le verbe. Il me gratte la langue
avec ses ongles de consonnes ; et je le prends dans mes bras,
pour qu'il ne se blesse pas les pieds contre les pierres, entendant
sa voix de chair et d'os m'écrire, dans le fond
de la tête et de toute la largeur de l'âme, la ronde phrase
de l'amour. Je travaille sa syntaxe, jusqu'à
découvrir les articulations du secret ; et j'embrasse
le corps qui nait dans la conjugaison
de ses paupières, ouvertes jusqu'au fond
des yeux, où je te vois.


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Paul Klee
Jadis surgi du cri de la nuit (1918)
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Princípios


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Nuno Júdice »»
 
Pedro, lembrando Inês (2001) »»
 
Italien »»
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Princípios
Règles de vie


Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Sur la mort, nous pourrions en savoir
un peu plus. Sans pour autant nous donner
envie de mourir
plus vite.

Sur la vie, nous pourrions en savoir
un peu plus. Peut-être n'avons nous pas besoin
de vivre autant, si nous n'avons besoin de savoir que
ce qu'il faut vivre.

Sur l'amour, nous pourrions en savoir
un peu plus. Savoir exactement ... ce qu'est l'amour
sans pour autant cesser d'aimer, ou aimer encore plus
en découvrant que, même ainsi, nous ne saurons
jamais ce qu'est l'amour.


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Elizabeth Shippen Green
La Bibliothèque (1905)
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