Breve canção das partidas eternas


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Breve canção das partidas eternas
Chanson brève des éternels départs


Transatlânticos ou canoa
furada? Nem bem, nem mal,
que ir até a nado serve
como saída final.

Mas isso é esforço demais.
Basta só um suspiro fundo.
E há até quem nem feche os olhos
num último adeus ao mundo.

No mais, como não há queixas,
nunca, depois da partida,
todos chegam muito bem
ao outro lado da vida...
Transatlantiques ou canot
percé ? Ni bien ni mal,
même partir à la nage peut servir
de sortie finale.

Mais c’est trop d’efforts.
Il suffit d’un profond soupir.
Et il y en a même qui ne ferment pas les yeux
avant de donner au monde leur dernier adieu.

De plus, comme personne, jamais,
ne porte plainte, après le départ,
tout le monde arrive très bien
de l’autre côté de la vie...
________________

Paul Delvaux
Petite gare de nuit (1959)
...

Breve canção da caminhada


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Breve canção da caminhada
Chanson brève en chemin


Vamos todos caminhando,
entre o amor e a morte,
por sobre o fio da navalha,
sem sul, leste, oeste ou norte.

E vamos, da luz da infância,
até a alma anoitecida,
buscando um sentido no
nenhum sentido da vida.

Que mais fazer? Ah, brindar,
entre o que tarda e o de súbito,
às vitórias sobre a morte,
até o último decúbito.
Tous, nous allons cheminant
depuis l’amour jusqu'à la mort,
par-dessus le fil du rasoir,
sans nord ou sud, ni est, ni ouest.

Et depuis l'éclair de l’enfance,
jusqu’au cœur de la nuit tombée,
nous cherchons à donner
un sens au non-sens de la vie.

Que faire d’autre ? Ah, trinquer,
à ce qui est tardif ou soudain,
les victoires sur la mort, jusqu'à
l'ultime coucher de l'agonie.
________________

April Gornik
Pluie, orage et lumière (2017)
...

Voz


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Voz
Voix


A voz não vem apenas
do telefone.
Vem de muito mais longe,
da distância de muitos anos.
Alguns deles, anos-luz;
outros, anos-treva;
outros, anos-dispersão;
outros ainda,
anos-névoa.

Apenas dizendo
superficialidades,
a voz me desperta
coisas profundas:
tanto marulho nas águas
do passado;
tantas visões de futuros
que deveriam estar aqui,
agora,
e só podem ser encontrados lá,
outrora.

E a voz prossegue, prossegue.
Digo que não estou ouvindo bem.
Que não compreendo.
Que o aparelho está falhando.
Que não adianta.

E então desligo. E,
como guerreiro que um dia foi
brutalmente - quase fatalmente -
ferido,
deixo-me repousar neste fim de tarde,
no início que ainda me resta
(talvez)
de anos-sonho de existir.
La voix ne vient pas seulement
du téléphone.
Elle vient de bien plus loin,
de la distance de plusieurs années.
Certaines d’entre elles, années-lumière ;
d'autres, années-ténèbres ;
d'autres, années-dispersion ;
d'autres encore,
années-brouillard.

Simplement en disant
des fadaises,
la voix éveille en moi
des choses profondes:
Tant de houles dans les eaux
du passé;
tant de visions d’avenir
qui devraient être ici,
maintenant,
et ne peuvent être trouvés là,
qu'autrefois.

Et la voix continue, continue.
Je dis que je n’entends pas bien.
Que je ne comprends pas.
Que l’appareil est défaillant.
Cela ne sert à rien.

Aussi je raccroche. Et,
comme un guerrier qui fut un jour
brutalement – presque fatalement –
blessé,
je me laisse aller au repos en cette fin de soirée,
au début de ce qui me reste encore
(peut-être)
d’années-rêve d'exister.
________________

Morton Livingston Schamberg
Téléphone (1916)
...

De súbito, do nada, uma carta


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De súbito, do nada, uma carta
Soudain, de nulle part, une lettre


1.
Sá-Carneiro disse, em carta, não incomodá-lo muito
 a possibilidade
de suicídio,
mas a consciência de
ter de morrer forçosamente um dia.
Seu correspondente deve ter pensado em tais palavras
 muitas vezes
ao escrever certos versos,
como, por exemplo
(16 anos mais tarde, com a alma já por si conturbada
de Álvaro de Campos)
alguns de Tabacaria,
nos quais observou que o dono da loja morreria,
como ele próprio,
um deixando a tabuleta, o outro versos,
que a certa altura também morreriam,
como morreria depois a rua onde estivera a tabuleta
e a língua em que foram escritos os versos,
e, por fim, o planeta girante em que tudo isto se deu.
Sim, tais reflexões já tumultuavam Sá-Carneiro,
mas com menos longo sofrimento,
porque logo soube livrar-se delas com
cinco frascos de arseniato de estricnina
em 26 de abril de 1916,
aos 26 anos de idade.
às 8 da noite, no Hotel Nice,
Paris. E assim
terminou o tormento do Esfinge Gorda,
como certa vez se definiu.
E que ainda mais gorda e com mais mistérios de esfinge
 ficou,
após a morte,
avolumando-se a ponto de mal caber no caixão,
tornando definitivamente impossível que seu enterro
fosse levado sobre um burro,
como pedira num poema,
embora tivesse lembrado
(como se antevendo sua última vontade
não sendo respeitada)
que a um morto nada se recusa,
e insistindo mesmo, peremptório:
E eu quero por força ir de burro.
(Não, ninguém se moveu para encontrar um burro capaz
de tal façanha,
ainda que não — como pedido —
ajaezado à andaluza.
Sim, a um morto tudo pode ser
recusado.)


2.
Não sei como as linhas acima se escreveram,
pois não havia pensado em nada parecido.
Pelo que recordo, pensara que estava velho,
não propriamente por me sentir assim,
mas por constatar que de então a agora
passara muito tempo.
É a lógica, bastante desagradável:
se muito tempo passou desde a nossa juventude
não há o que discutir: estamos velhos.
Quanto mais tempo, mais velhos.
Sem dúvida, o que de melhor havia no Paraíso,
antes da descoberta do fruto do bem e do mal,
era a ausência de lógica. Não houve nenhuma lógica
na Criação,
as possíveis justificativas do Criador não têm lógica.
Apenas, entediado por tamanha Eternidade,
Ele resolveu brincar de Deus. E, como não havia
nenhuma lógica em tudo isso
(pois só uma absoluta falta de lógica admitiria a criação
 de algo
tão tentador que poria fatalmente em risco o equilíbrio
 do Éden),
deu no que deu.


3.
Coisas assim é que eu pensava,
quando saltou do nada a carta do poeta
para outro poeta.
Assim me tem sido a vida com frequência:
tarda (às vezes indefinidamente) no que espero
e de súbito serve
o inesperado.
Tudo bem, contando que não venha a lógica
deduzir que eu tenha forçosamente de estar velho
já que de então a agora muito tempo passou.
O tempo, que se oferece ironicamente em Ontem
(que já não é),
Hoje
(que acabou de ser)
e Amanhã
(que, se chegar, não chegará,
pois logo será o que acabou de ser,
o que já não é).
Enfim, envolvido em incômodos
similares aos meus,
e em linguagem bem melhor,
suspirou Ricardo Reis: ... e quanto pouco falta
para o fim do futuro!



4.
Ah, o quanto pouco falta...
Aliás, uma característica do tempo: subtrair-se
 avaramente,
sobretudo quando gostaríamos que permanecesse
 mais...
Difícil acreditar que faz pouco,
muito pouco,
estávamos todos aqui...
E então, de súbito,
tivemos e temos que
forçosamente
morrer...


5.
Bem, Sá-Carneiro resolveu tudo por conta própria,
interrompendo o que sentia como apenas cruel
 alongamento do tempo;
apagando os remorsos que eram como
terraços sobre o Mar,
deixando-nos as palavras com que também gostaríamos
 de abrir
docemente
a nossa noite:
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais
 acabou.

1.
Sá-Carneiro a dit, dans une lettre, qu'il n'était pas
 tant indisposé
par la possibilité du suicide,
que par la conscience d'
avoir à mourir nécessairement un jour.
Son correspondant a dû penser plusieurs fois à de telles
 paroles
en écrivant certains vers,
comme, par exemple
(16 ans plus tard, avec l’âme en lui déjà troublée
de Álvaro de Campos)
ceux de Tabacaria,
dans lesquels on observe que le gérant de ce tabac va mourir,
comme lui-même,
l’un laissant l'enseigne, l’autre, des vers,
qui, à un moment donné, mourront eux aussi,
comme vont mourir la rue où était l'enseigne
et la langue dans laquelle ces vers ont été écrits,
et enfin, en tournant, la planète sur laquelle tout s'est passé.
Oui, de telles réflexions tourmentaient déjà Sá-Carneiro,
mais avec moins de souffrance,
parce qu’il a su s’en débarrasser avec
cinq flacons d’arséniate de strychnine
le 26 avril 1916,
à l’âge de 26 ans.
vers 20 heures dans l’hôtel Nice,
à Paris. Et ainsi
s'est terminé le tourment du Sphinx Gorda (Gras),
comme il se définissait parfois.
Et plus gras encore et, du sphinx, avec plus de mystères,
 encombrant
après sa mort,
au point de ne pas rentrer dans son cercueil,
rendant définitivement impossible, que son enterrement
se fasse à dos d'âne,
comme il le souhaitait dans un poème,
bien qu'il ait rappelé
(comme si entrevoyant que ses dernières volontés
ne seraient pas respectées)
que rien jamais ne se refuse à un mort,
et même insistant, péremptoire :
Je veux, en vertu de la loi, m'y rendre à dos d'âne.
(Non, personne ne s'est bougé pour trouver un âne capable
d’une telle prouesse,
même sans qu'il soit – comme souhaité –
caparaçonné à l’andalouse.
Oui, à un mort tout peut être
refusé.)


2.
Je ne sais pas comment les lignes ci-dessus ont été écrites,
Je n’avais pensé à rien de tel.
Si je m'en souviens, je pensais être vieux,
pas vraiment parce que je le ressentais,
mais pour avoir constater qu’à l’époque
beaucoup de temps s’était écoulé.
C’est une logique, plutôt désagréable :
si beaucoup de temps s’est écoulé depuis notre jeunesse
Il n’y a rien à dire, on est vieux.
Plus de temps passe, plus on est vieux.
Sans doute, le meilleur au Paradis,
avant la découverte du fruit du bien et du mal,
était l’absence de logique. Il n’y a aucune logique
dans la création,
Les justifications possibles du Créateur n’ont aucune logique.
Ennuyé par une telle éternité,
Il décida de jouer à Dieu. Et comme il n’y avait
aucune logique à tout cela
(car seul un manque absolu de logique admettra la création
 d'une chose
aussi tentatrice qui met fatalement en péril l’équilibre
 de l’Éden),
arriva ce qui est arrivé.


3.
Des choses auxquelles je pensais
lorsque bondit de nulle part la lettre du poète
à un autre poète.
Je l’ai souvent vécu :
ce retard (parfois indéfiniment) de ce qu'on espère
avant que soudain ne surgisse
l’inespéré.
Tout va bien, tant que la logique ne vient pas
déduire que je dois forcément être vieux
puisque dès lors beaucoup de temps a passé.
Le temps, qui s'est offert ironiquement Hier
(dans ce qui n’est plus),
Aujourd’hui
(dans ce qui vient d’être)
et Demain
(qui, s’il arrive, n’arrivera plus,
car bientôt ce sera ce qui vient d’être,
et qui n’est plus).
Enfin, engagé dans des embarras
semblables aux miens,
et dans un langage bien meilleur,
soupira Richard Reis : ... et combien peu restera-t-il
à la fin de l’avenir !



4.
Ah, combien peu en reste-t-il...
D’ailleurs, une caractéristique du temps est : se soustraire
 avec avarice,
surtout quand on aimerait qu’il persiste
 un peu plus...
Difficile de croire qu'il s'en moque
qu'il fait peu, très peu,
Nous en sommes tous là...
Et puis, soudain,
nous sommes, et nous devons
forcément
mourir...


5.
Bien, Sá-Carneiro a tout résolu par lui-même,
en interrompant ce qu’il sentait comme un cruel allongement
 du temps,
en effaçant les remords qui étaient comme
des terrasses sur la Mer,
nous laissant les mots avec lesquels nous aimerions aussi
 ouvrir
avec douceur
notre nuit :
Rien à faire, ma belle. L'enfant s'est endormi. Tout est
 terminé.

________________

Valeriy Franchuk
Lettre non envoyée (2020)
...

Apenas isto...


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Apenas isto...
Seulement ceci...


Apenas isto:
Não sobrevivermos ao momento,
Como ele sermos desprendidos,
Leves e tanto
Que nem o tempo nos conheça vulto.
Apenas isto:
Não sermos nunca 
Sobreviventes da felicidade.
Seulement ceci :
Nous ne survivrons pas au moment,
Comme lui, nous sommes détachés,
Et légers, au point
Que le temps ne nous reconnaît même pas.
Seulement ceci :
Nous ne serons jamais
Des survivants du bonheur.
________________

Paul Clarke Dickinson
Faust (1986)
...

Apolo


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Apolo
Apollon


Não nos surgiste como aos argonautas
quando
fizeste tremer a ilha
sob teus passos
e então te ergueste estendendo nas nuvens
os cabelos de ouro.
Mas senti que estavas
por todo o dia
acompanhando-nos na visita
às formas magníficas
que há milênios foram erguidas
nas alturas
em teu louvor.

Obrigado.
Embora não tenhamos te ofertado presentes,
como Midas, rei da Frigia,
que te enviou seu trono real,
ou Giges, da Lidia,
antepassado de Creso,
que te saudou com crateras de ouro
e incontáveis ex-votos
de ouro e prata,
nunca mais seremos os mesmos,
pois que respiramos a fímbria da brisa
tocada pelo hálito de teus solenes ciprestes
de folhas verdes
pedras
e unção.
Tu ne nous es pas apparue comme les Argonautes
quand
tu as fait trembler l’île
sous tes pas
et puis tu t’es levé en étendant sous les nuages
tes cheveux d’or.
Mais j’ai senti que tu étais
là tout au long du jour
à nous accompagner lors de notre visite
de ces formes magnifiques
qui furent, il y a des millénaires, érigées
là-haut
en ton honneur.

Grâce te soit rendue.
Bien que nous ne t’ayons pas offert de présents,
comme Midas, roi de Phrygie,
qui t’envoya son trône royal,
ou Gygès de Lydie,
ancêtre de Crésus,
qui te salua avec des cratères d’or
et d’innombrables ex-voto
d’or et d’argent,
nous ne serons plus jamais les mêmes,
car nous respirons la frange du zéphyr,
touchée par l’haleine de tes solennels cyprès
de feuilles toujours vertes,
de pierres
et d'huile sainte.
________________

L'Apollon dul Belvédère
(400-323 av. J.C.)
...

A casa dos nove pinheiros


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A casa dos nove pinheiros
La maison des neuf pins


A casa permanece jovem,
embora meu pai a tenha construído
em meados dos anos 50,
quando também precisou
vendê-la
e viajar
para que os filhos tivessem melhores estudos
em cidade maior.

Todos os que a habitaram
desde então
trataram-na com desvelo,
inclusive
a senhora que um dia subiu
no grande reservatório de água
para se afogar.

Sempre esteve em mim, nitidamente,
a casa
como nas fotografias que meu filho tirou
recentemente.
E de forma mais ampla ainda
me habitando,
ela,
pois que nela vivi por vários meses
nos fins da infância.

Nas fotografias,
o caminho lateral da casa,
a varanda sobre esse caminho,
a casa vista da rua
e, principalmente,
os nove pinheiros em pedras
incrustadas na varanda.
Nove pinheiros enfileirados
em curva suave,
do maior ao menorzinho,
representando
o pai,
a mãe,
os sete filhos
que ali moravam.

Sim, tudo permanece
jovem.

Os pinheiros continuarão a lembrar
pai,
mãe,
sete filhos,
mesmo quando não restar sequer um deles
para sentir certo tempo,
respirar a casa,

como eu agora,
com antiga alegria e um sabor
de lágrimas.
La maison est restée neuve,
bien que mon père l’ait construite
au milieu des années 50,
lorsqu’il en eut le besoin
il la vendit
et déménagea
pour que ses enfants fassent de meilleures études
dans une grande ville.

Tous ceux qui l’ont habitée
depuis lors
l’ont traitée avec soin,
y compris
la dame qui un jour monta
dans le grand réservoir d’eau
pour se noyer.

Elle a toujours été en moi, c'est clair,
la maison
comme les photographies que mon fils a prises
récemment.
Et plus largement encore
moi en elle,
habitant,
car j’y ai vécu pendant plusieurs mois
vers la fin de mon enfance.

Sur les photographies,
le chemin à côté de la maison,
le balcon sur ce chemin,
la maison vue de la rue
et surtout
les neuf pins en pierres
incrustées sous le balcon.
Neuf pins alignés
aux courbes douces,
du plus grand au plus petit,
représentant
le père,
la mère,
les sept enfants
qui vivaient là.

Oui, tout est resté
jeune.

Les pins continueront de se souvenir
du père,
de la mère,
des sept enfants,
même lorsqu'il n'en restera plus un seul
pour sentir encore un temps
la maison respirer,

comme je le fais maintenant,
avec une joie ancienne et la saveur
des larmes.
________________

Osório Gimenes
Paysage avec des pins (2017)
...

Vestidos


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A Cidade e os Sonhos (2003) »»
 
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Vestidos
Robes


Dos vossos vestidos brancos
é que me nascia o dia
aos domingos, e a alma nítida
de uma inquieta alegria.
 
Dos vossos vestidos brancos
vinha uma luz que esplendia
e desfazia o que era
sombra da noite vazia.
 
(Ou pior: noite habitada
de ânsias, melancolia,
desejos da carne, assombros,
e outros charcos de agonia.)
 
Em vossos vestidos brancos
fremia uma melodia
de anjos de tranças brandas
em que meu tremor vivia.
 
Dos vossos vestidos brancos
me vem o que, neste dia,
aquece o que ainda me resta
de escombros de poesia.
De vos robes blanches
naissait pour moi le jour
et mon âme, les dimanches
était claire d’une joie inquiète.

De vos robes blanches
venait une lumière qui rayonnait
et dissolvait ce qui était
ombre de la nuit vide.

(Ou pire : nuit habitée
d'angoisse, de mélancolie,
désirs de chair, effrois,
et autres marais d’agonie.)

Dans vos robes blanches
frémissait une mélodie
des anges aux douces tresses
où vivait mon tremblement.

De vos robes blanches
me vient ce qui, en ce jour,
réchauffe ce qu'il me reste encore
des décombres de la poésie.
________________

Emiliano di Cavalcanti
Mulâtre (1957)
...

Corpo


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Corpo
Corps


O seu calor me chegava
de longe, como um perfume

denso, como um ar espesso
demais para respirar.

Nada repousava à sua
visão ou lembrança. Seus
eram as noites e os dias
fundos espantos da carne

cintilando solitária
em doce e pungente mácula,

remorsos, melancolias.
Calor e aroma que o tempo

não consegue dispersar,
e ainda em mim se despertam,

me envolvem - doçura, mácula,
pungência, memória espessa

demais para respirar.
Sa chaleur me parvenait
de loin, comme un parfum

dense, comme un air bien trop
épais pour respirer.

Rien ne reposait sur sa
vision ou sa mémoire. Siens
étaient les nuits et les jours,
étonnements profonds de la chair

solitaire qui, dans sa poignante
et douce macula, scintille

remords, mélancolie.
Arôme et chaleur que le temps

ne peut plus disperser, et
qui pourtant, se réveillent en moi,

m’enveloppent – douceur, macula,
poignante mémoire bien trop

épaisse pour respirer.
________________

Berthe Morisot
Devant la psyché (1890)
...

A suicida


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A suicida
La suicidée


Quando atentou contra a vida
entristeceu a cidade.

Mais tolo e sério motivo:
um amor contrariado.

A comoção arrepiou
do comunista ao vigário.

Algumas vozes pesadas
arquitetaram vingança,

mas o caixeiro-viajante,
que jurara e perjurara,

já ia lépido e longe,
levando o sonho dos sonhos:

grinalda, véu, aliança,
padrinhos, padre, juiz

e marcha nupcial.
Pobre moça. Ainda bem

que o gesto tresloucado
não chegara a cumprir sua

sinistra finalidade,
embora tivesse havido

forte determinação
— tanto que ela bebera,

de uma só vez, todo um vidro
de tinta — para canetas —

Parker Quink. Felizmente,
de um azul claro, suave

e (o que por certo lhe
salvara a vida) lavável.
Comme elle attentait à sa vie
toute la ville s'est attristée.

Motif stupide le plus sérieux :
un amour contrarié.

La commotion a fait frissonné
du communiste jusqu'au vicaire.

Quelques voix accablées
manigançaient leur vengeance,

mais le commis-voyageur,
qui avait juré et parjuré,

menait déjà, tambour battant,
le rêve des rêves :

guirlande, voile, alliance,13
parrains, prêtre, juge

et marche nuptiale.
Pauvre fille. Une bonne chose

que son geste déraisonnable
n’ait pas réussi à accomplir sa

sinistre finalité,
bien qu’il y ait eu

une forte détermination
- au point qu’elle avait bu,

d’un coup, tout un verre
d’encre - pour stylos -

Parker Quink. Heureusement,
d’un bleu clair, délicat

et (ce qui certainement lui
a sauvé la vie) lavable.
________________

Emanuele Cavalli
La mariée (1934-1935)
...

Soneto de um amor


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Soneto de um amor
Sonnet pour un amour


Quando chegou, nem parecia ser.
Agora é isto, este pulsar violento
a rir à toa, a crepitar no vento,
e este oceano, e este amanhecer,

mais estas comoções de anoitecer,
mais estes girassóis no pensamento,
raio fendendo a alma (lento, lento...),
e esta estranheza de dizer e crer,

e este ácido pássaro no peito,
e uma ternura ardendo na ferida,
e um silêncio, e um fragor, e o céu desfeito

por sobre tudo, e a lua comovida
chorando um choro cândido, perfeito
a esta tortura do esplendor da vida!
Au premier regard, ce ne fut presque rien.
Maintenant c'est là, ce battement violent
et nos rires qui crépitent dans le vent,
et cet océan, cette aube et ce matin,

plus encor, tout au fond de la nuit ces joies,
plus encor, ces tournesols dans la pensée,
(lent, lent) ce rayon qui ton âme fendait,
et cette étrangeté de dire et d'y croire,

et cet oiseau picorant dans ta poitrine,
cette ardente tendresse dans la blessure,
un fracas, silence, et le ciel aboli,

par-dessus tout, la lune qui monte, émue
parfaite par l'offrande d'un pleur candide
à la splendeur de la vie, cette torture !
________________

Ernst Ludwig Kirchner
Les amants - le baiser (1930)
...

Essa mulher


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Essa mulher
Cette femme


A que nunca amei e me ama pensa em mim à noite
antes de dormir, e nos escombros do sono
vê o meu rosto suave, arrogante, de há muitos anos
e sente uma mão fria empunhar-lhe o coração.
 
É bela a que nunca amei e me ama, cada vez mais bela
com seus cabelos soltos ao sopro da memória,
com uma voz onde sonham luas que jamais iluminaram
um caminho que me levasse à que nunca amei e me ama.
 
É doce essa mulher que acorda e diz o meu nome
com unção. Seus olhos me fitam do longínquo
e doem em mim como dói nessa mulher que me ama
amar quem nunca a amou, disperso em seus enganos.
 
A que nunca amei e me ama acaricia a minha ausência
com pena de mim, que teria sido feliz, bem sabe,
se a tivesse amado; a ela, que me ama e nunca amei
e nunca hei de amar, como até hoje, amargamente.
Celle que je n’ai pas aimée m’aime et pense à moi la nuit
avant de s'endormir, et dans les décombres du sommeil
voit mon visage adouci, arrogant, il y a beaucoup années
et elle sent une main froide qui lui empoigne le cœur.

Elle est belle, la jamais aimée qui m’aime, toujours plus belle
avec ses cheveux abandonnés aux souffles de la mémoire,
avec une voix où rêvent des lunes qui n’ont jamais éclairé
le chemin qui mène jusqu'à celle, jamais aimée qui m’aime.

Elle est douce cette femme qui se réveille et dit mon nom
avec plein de dévotion. Ses yeux me contemplent de loin
et me font mal comme j'ai fait mal à cette femme qui m’aime,
aimant qui ne l’a jamais aimée, égaré par ses tromperies.

Celle que je n’ai pas aimée m’aime et caresse mon absence
elle a pitié de moi, qui aurait été si heureux, je le sais bien,
si je l’avais aimée, elle qui m’aime et n'a jamais été aimé
Et je ne pourrai jamais plus, amer, l'aimer comme aujourd’hui.
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Felice Casorati
Daphnée à Paravola (1934)
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Esclarecimento


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Esclarecimento
Éclaircissement


  com licença de Ronsard
  e Helene de Surgeres


Não se trata
de eu te ter celebrado
quando eras bela.

Trata-se
de que és bela
então e hoje e sempre
porque eu te celebrei.
  avec la permission de Ronsard
  et de Hélène de Surgères


Ce n’est pas
parce que je t'ai célébrée
quand tu étais belle.

C’est parce
que tu étais belle
jadis et aujourd’hui et toujours
que je t’ai célébrée.
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Giovanni Boldini
Portrait de la Princesse Marthe Lucile Bibesco (1911)
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Canção da alma meditativa


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Canção da alma meditativa
Chant de l’âme méditative


O vento sopra nas telhas
lembranças de um vento antigo.
Há um frio de horas velhas
na alma que se medita.

Sopra o vento, sopra o tempo
- e o que se medita a alma?
Não diz. Mas, seja o que for,
será, como tudo, nada.
Le vent souffle sur les tuiles
souvenirs d'un vent vénérable.
Il y a le froid des heures tardives
dans l’âme qui médite.

Souffle le vent, souffle le temps
- Et l'âme sur quoi médite-t-elle ?
Ne le dit. Mais quoi qu'il en soit,
ce sera, toutes choses étant, rien.
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S.K. Sahni
Dessin n° 123 (1999)
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Canção branca


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Canção branca
Chanson blanche


  a Antonio Andrade Souza

Era tudo lunar
quando as águas do rio baixavam:
os barrancos, as altas pilastras da ponte, a areia
onde nos deitávamos com as empregadas domésticas
que nos ofereciam
peitos, coxas e ventres
também lunares.

Era tudo um brilho, uma canção
branca
cantando a adolescência.
  Uma canção
que ainda canta em mim quando a lua
me contempla.
  à Antonio Andrade Souza

Elle était toute lunaire
lorsque les eaux du fleuve tombaient :
les gorges, les hauts piliers du pont, le sable
où nous nous couchions avec les employées du domaine
elles nous offraient
seins, cuisses et ventres
tout aussi lunaires.

Elle était toute clarté, la chanson
blanche
qui chantait l’adolescence.
  Chanson
qui chante encore en moi lorsque la lune
me contemple.
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Honoré Daumier
Les voyageurs nocturnes (1842-1847)
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