A nitidez das coisas


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A nitidez das coisas
La transparence des choses


No silêncio da casa, quando as madeiras estalam,
espero o movimento da engrenagem do tempo,
a manifestação evidente da máquina do mundo,
as pás do moinho moendo a farinha dos dias,
os dentes trincando a pele da feroz existência,
o rolar dos minutos no relógio náufrago da manhã,
o zumbido da mosca contra sua imagem no vidro.

No silêncio da casa, quando estremecem os móveis
e trepidam os eletrodomésticos nas redomas de vidro,
zunindo em uníssono cantochão entre as moedas
nítidas do sol e as moendas trituradoras de emoções,
a polia que range a palavra contra a indiferença,
o destino dos pratos e talheres prisioneiros, lentamente
desfazendo-se em barro e mortal ferrugem.

As coisas morrem sem pânico enquanto olhamos
distraídos o vento que levanta as cortinas da sala.

Só as coisas são nítidas e têm alma, e acreditam
na vida eterna.

Dans le silence de la maison, lorsque les bois craquent,
j’attends j'écoute le mouvement d’engrenage du temps,
la manifestation évidente de la machine du monde,
les pâles du moulin broyant la farine des jours,
les dents qui tranchent la peau de la féroce existence,
le déroulé des minutes sur l’horloge naufragée du matin,
le vrombissement de la mouche contre son image dans la vitre.

Dans le silence de la maison, lorsque frémissent les meubles
et que trépigne l'électroménager sous ses dômes de verre,
bourdonnent à l’unisson de leur plain-chant entre les claires
monnaies du soleil et les triturations des broyeurs d’émotions,
la poulie qui fait grincer ses mots contre l’indifférence,
la destinée de la vaisselle et des couverts emprisonnés,
se décomposant avec lenteur en argile et en rouille mortelle.

Les choses meurent sans angoisse alors que distrait
nous regardons le vent qui soulève les rideaux de la salle.

Seules les choses transparentes ont une âme, et croient
en la vie éternelle.

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Henri Matisse
La fenêtre bleue (1912)
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