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Recueil : Autre traduction : |
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Elogios de J. L. Borges
III |
Éloge de J. L. Borges
III |
...Te espera el mármol
que no leerás. En él ya están escritos
la fecha, la ciudad y el epitafio.
— "A quien está leyéndome", J. L. Borges
Entra em silêncio
com respeito pelos mortos.
Entanto, este não é o Cemitério da Recoleta,
em Buenos Aires,
cidade onde nasci e vivi,
onde se encontram os restos de Bioy Casares,
escritor e amigo,
os despojos de minha família,
e ainda Eva Perón, a Evita,
emblema do peronismo que tanto me fez mal
e tanto odiei.
(Engraçado, hoje, o Recoleta,
pela ostentação dos túmulos,
pelo luxo inútil que apregoa,
virou até ponto de turismo.)
Não. Não falo do Recoleta.
Ao contrário do que se esperava
o cemitério é outro.
Fica na Rue des Rois, em Genebra.
Conhecido antes como Cemitério dos Reis,
é o atual Cemitério de Plainpalais,
o qual demonstra, por ser dos Reis e afins,
que as diferenças e castas que em vida nos separam,
se perpetuam, na morte, em sinistras genealogias
e também em estranhezas perfeitas.
Pois eu que fui humilde bibliotecário de subúrbio,
muitas vezes infeliz, com lágrimas nos olhos
, ao notar o vazio de minha existência,
minha penúria e anonimato,
depois de morto me igualaram aos reis,
embora meus ossos não se importem
com tudo isso e mais o resto.
Bem sei, ironias são parte de minha história:
a de Diretor da Biblioteca Nacional,
anos depois,
estando já completamente cego,
sem distinguir a lombada de um livro qualquer,
parece-me uma das melhores.
Portanto,
entra em silêncio,
retira o chapéu.
Procura, dentre todos os túmulos,
o de aspecto mais esquisito:
uma lápide em granito branco,
que o tempo já escureceu um pouco,
compacta, de bordas irregulares,
onde se encontram símbolos,
- uma nave viking e uma cruz de Gales -
e inscrições em anglo-saxão antigo,
a língua, entre todas, que mais amei.
Nela está esculpido, em alto-relevo,
JORGE LUIS BORGES,
as datas de meu início e fim:
Buenos Aires – 1899 Genebra – 1986.
E para não fugir às ironias de minha vida,
que sempre me fascinaram
como os labirintos e os espelhos,
as sombras e as normas,
as formas que destecem e tecem as existências,
no Cemitério dos Reis,
para me fazer companhia,
(tanto perdura o tempo que nos sobra)
estão, entre outras eminências:
João Calvino, um reformador religioso,
circunspecto, de pouca conversa,
e que continua pregando.
E, ao meu lado, num jazigo simples,
em minúscula cerca de madeira,
Grisélidis Réal, nascida em Lausanne,
cuja indiscutível realeza
incorporou-se ao próprio sobrenome.
Feminista e revolucionária,
irreverente e polemista,
mas, sobretudo,
“Escritora, pintora, prostituta”,
conforme reza a plaquinha debochada:
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
e com a qual passo tardes divertidas,
conversando sobre literatura, poesia,
e toda a sorte de assuntos delicados,
alguns vis,
outros nem tanto,
em nossa vasta e comum eternidade.
que no leerás. En él ya están escritos
la fecha, la ciudad y el epitafio.
— "A quien está leyéndome", J. L. Borges
Entra em silêncio
com respeito pelos mortos.
Entanto, este não é o Cemitério da Recoleta,
em Buenos Aires,
cidade onde nasci e vivi,
onde se encontram os restos de Bioy Casares,
escritor e amigo,
os despojos de minha família,
e ainda Eva Perón, a Evita,
emblema do peronismo que tanto me fez mal
e tanto odiei.
(Engraçado, hoje, o Recoleta,
pela ostentação dos túmulos,
pelo luxo inútil que apregoa,
virou até ponto de turismo.)
Não. Não falo do Recoleta.
Ao contrário do que se esperava
o cemitério é outro.
Fica na Rue des Rois, em Genebra.
Conhecido antes como Cemitério dos Reis,
é o atual Cemitério de Plainpalais,
o qual demonstra, por ser dos Reis e afins,
que as diferenças e castas que em vida nos separam,
se perpetuam, na morte, em sinistras genealogias
e também em estranhezas perfeitas.
Pois eu que fui humilde bibliotecário de subúrbio,
muitas vezes infeliz, com lágrimas nos olhos
, ao notar o vazio de minha existência,
minha penúria e anonimato,
depois de morto me igualaram aos reis,
embora meus ossos não se importem
com tudo isso e mais o resto.
Bem sei, ironias são parte de minha história:
a de Diretor da Biblioteca Nacional,
anos depois,
estando já completamente cego,
sem distinguir a lombada de um livro qualquer,
parece-me uma das melhores.
Portanto,
entra em silêncio,
retira o chapéu.
Procura, dentre todos os túmulos,
o de aspecto mais esquisito:
uma lápide em granito branco,
que o tempo já escureceu um pouco,
compacta, de bordas irregulares,
onde se encontram símbolos,
- uma nave viking e uma cruz de Gales -
e inscrições em anglo-saxão antigo,
a língua, entre todas, que mais amei.
Nela está esculpido, em alto-relevo,
JORGE LUIS BORGES,
as datas de meu início e fim:
Buenos Aires – 1899 Genebra – 1986.
E para não fugir às ironias de minha vida,
que sempre me fascinaram
como os labirintos e os espelhos,
as sombras e as normas,
as formas que destecem e tecem as existências,
no Cemitério dos Reis,
para me fazer companhia,
(tanto perdura o tempo que nos sobra)
estão, entre outras eminências:
João Calvino, um reformador religioso,
circunspecto, de pouca conversa,
e que continua pregando.
E, ao meu lado, num jazigo simples,
em minúscula cerca de madeira,
Grisélidis Réal, nascida em Lausanne,
cuja indiscutível realeza
incorporou-se ao próprio sobrenome.
Feminista e revolucionária,
irreverente e polemista,
mas, sobretudo,
“Escritora, pintora, prostituta”,
conforme reza a plaquinha debochada:
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
e com a qual passo tardes divertidas,
conversando sobre literatura, poesia,
e toda a sorte de assuntos delicados,
alguns vis,
outros nem tanto,
em nossa vasta e comum eternidade.
... T'attend le marbre
que tu ne liras pas. En lui, déjà sont gravés
la date, la ville et ton épitaphe.
— « À ceux qui me liront », J. L. Borges
Tu entres en silence
avec le respect des morts.
Cependant, ce n'est pas le Cimetière de Recoleta,
à Buenos Aires,
ville où je suis né, où j'ai vécu,
où se trouvent les restes de Bioy Casares,
écrivain et ami,
les dépouilles de ma famille,
et celle aussi d'Eva Perón, d'Evita,
figure du péronisme qui m'a fait tant de mal
que j'ai tant haï.
(Il est drôle, aujourd'hui, le Recoleta,
par l'ostentation de ces tombeaux,
par le luxe inutile qu'il manifeste,
jusqu'à devenir un lieu touristique.)
Non, je ne parle pas du Recoleta,
au contraire de ce que l'on pourrait croire
mais d'un autre cimetière
situé rue des Rois, à Genève.
L'actuel Cimetière de Plainpalais, autrefois
connu comme le Cimetière des Rois,
ce qui montre bien, que les différences, les castes
qui dans la vie nous séparent, se perpétuent
pour les Rois et consorts, en sinistres généalogies
et aussi - dans la mort - en complètes étrangetés.
Car moi qui fut un humble bibliothécaire de banlieue,
malheureux bien souvent, avec des larmes dans les yeux,
à considérer le vide de mon existence,
ma pénurie et mon anonymat,
j'ai été, après ma mort, égalé aux rois,
encore que cela n'ait guère d'importance
ni pour mes os ni pour le reste.
Je le sais bien, les ironies font partie de mon histoire :
devenir des années plus tard
Directeur de la Bibliothèque Nationale,
alors que j'étais déjà complètement aveugle,
sans pouvoir distinguer le dos d'un livre,
me semble être l'une des meilleures.
Par conséquent,
entre en silence,
enlève ton chapeau.
recherche, parmi toutes les tombes,
celle dont l'aspect est le plus bizarre :
une pierre tombale de granit blanc,
que le temps assombrit déjà un peu,
compacte, de bords irréguliers,
où l'on trouve des symboles,
– Un bateau viking et une croix de Galles –
et des inscriptions en vieil anglo-saxon,
la langue, parmi toutes, que j'ai le plus aimée.
Sur elle est sculptée, en haut-relief,
JORGE LUIS BORGES,
mes dates de naissance et de mort :
Buenos Aires – 1899 Genève – 1986.
Et pour ne pas échapper aux ironies de ma vie,
qui m'ont toujours fasciné
comme les labyrinthes et les miroirs,
les normes et les ombres,
les formes qui défont et tissent les existences,
dans le Cimetière des Rois,
pour me tenir compagnie,
(le temps qui nous reste durera si longtemps)
on trouve, parmi d'autres éminences :
Jean Calvin, un réformateur religieux,
circonspect, de peu de conversation,
et qui continua de prêcher.
Et à côté de moi dans une simple sépulture,
un minuscule enclos de bois,
Grisélidis Réal, née à Lausanne,
dont la royauté incontestable
a rejoint son propre nom de famille.
Féministe et révolutionnaire,
irrévérencieuse et polémiste,
mais surtout
« Escritora, pintora, prostituta »,
conformément à ce que dit la petite plaque :
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
et avec laquelle je passe des après-midi divertissants,
à parler de littérature, de poésie,
et de toutes sortes de questions délicates,
infâmes, pour certaines,
pour d'autres, pas tellement,
en notre vaste et commune éternité.
que tu ne liras pas. En lui, déjà sont gravés
la date, la ville et ton épitaphe.
— « À ceux qui me liront », J. L. Borges
Tu entres en silence
avec le respect des morts.
Cependant, ce n'est pas le Cimetière de Recoleta,
à Buenos Aires,
ville où je suis né, où j'ai vécu,
où se trouvent les restes de Bioy Casares,
écrivain et ami,
les dépouilles de ma famille,
et celle aussi d'Eva Perón, d'Evita,
figure du péronisme qui m'a fait tant de mal
que j'ai tant haï.
(Il est drôle, aujourd'hui, le Recoleta,
par l'ostentation de ces tombeaux,
par le luxe inutile qu'il manifeste,
jusqu'à devenir un lieu touristique.)
Non, je ne parle pas du Recoleta,
au contraire de ce que l'on pourrait croire
mais d'un autre cimetière
situé rue des Rois, à Genève.
L'actuel Cimetière de Plainpalais, autrefois
connu comme le Cimetière des Rois,
ce qui montre bien, que les différences, les castes
qui dans la vie nous séparent, se perpétuent
pour les Rois et consorts, en sinistres généalogies
et aussi - dans la mort - en complètes étrangetés.
Car moi qui fut un humble bibliothécaire de banlieue,
malheureux bien souvent, avec des larmes dans les yeux,
à considérer le vide de mon existence,
ma pénurie et mon anonymat,
j'ai été, après ma mort, égalé aux rois,
encore que cela n'ait guère d'importance
ni pour mes os ni pour le reste.
Je le sais bien, les ironies font partie de mon histoire :
devenir des années plus tard
Directeur de la Bibliothèque Nationale,
alors que j'étais déjà complètement aveugle,
sans pouvoir distinguer le dos d'un livre,
me semble être l'une des meilleures.
Par conséquent,
entre en silence,
enlève ton chapeau.
recherche, parmi toutes les tombes,
celle dont l'aspect est le plus bizarre :
une pierre tombale de granit blanc,
que le temps assombrit déjà un peu,
compacte, de bords irréguliers,
où l'on trouve des symboles,
– Un bateau viking et une croix de Galles –
et des inscriptions en vieil anglo-saxon,
la langue, parmi toutes, que j'ai le plus aimée.
Sur elle est sculptée, en haut-relief,
JORGE LUIS BORGES,
mes dates de naissance et de mort :
Buenos Aires – 1899 Genève – 1986.
Et pour ne pas échapper aux ironies de ma vie,
qui m'ont toujours fasciné
comme les labyrinthes et les miroirs,
les normes et les ombres,
les formes qui défont et tissent les existences,
dans le Cimetière des Rois,
pour me tenir compagnie,
(le temps qui nous reste durera si longtemps)
on trouve, parmi d'autres éminences :
Jean Calvin, un réformateur religieux,
circonspect, de peu de conversation,
et qui continua de prêcher.
Et à côté de moi dans une simple sépulture,
un minuscule enclos de bois,
Grisélidis Réal, née à Lausanne,
dont la royauté incontestable
a rejoint son propre nom de famille.
Féministe et révolutionnaire,
irrévérencieuse et polémiste,
mais surtout
« Escritora, pintora, prostituta »,
conformément à ce que dit la petite plaque :
Écrivain-Peintre-Prostituée, 1929-2005,
et avec laquelle je passe des après-midi divertissants,
à parler de littérature, de poésie,
et de toutes sortes de questions délicates,
infâmes, pour certaines,
pour d'autres, pas tellement,
en notre vaste et commune éternité.
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Pierre tombale de Jorge Luis Borges (1899-1986) Cimetière de Plainpalais, Genève |
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