Ornitorrinco


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Ornitorrinco
Ornithorynque


Sobre a mesa — a garrafa.
Em torno da mesa — o bar atônito.
Depois do bar, a rua, o bairro.
Após, as cidades, os desertos,
cordilheiras e desfiladeiros,
oceanos e precipícios,
galáxias e nebulosas,
a vastidão do mundo,
o sem-fim do universo,
com seus pilares enormes,
contrafortes onde o tempo
esbate as imensas ondas.
Depois de depois — Deus?
As Parcas tecendo o fio
de minha vida?

Consideras teu coração,
nada formidável.
Um grão de areia
grudado no milênio.
Um pingo de cálcio
na concha de um molusco.
Consideras tudo isso
e mais alguma coisa.
(Só não consideras o garçom
ao teu lado:
— Mais uma cerveja, doutor?)

De onde surgiu esse ser medievo
e que há séculos não dorme?
E por que me olha espantado
como se visse um ornitorrinco?
Na natureza nada se perde,
nada se cria,
tudo se transforma.

Sur la table - la bouteille.
Autour de la table - le bar assoupi.
Après le bar, la rue, le quartier.
Ensuite, les villes, les déserts,
Cordillères et défilés,
Océans et précipices,
Galaxies et nébuleuses,
L'immensité du monde,
L'in-fini de l'univers,
Avec ses piliers énormes,
Ses contreforts où le temps
Se plisse en vagues immenses.
Après l'après — Dieu ?
Les Parques tissant le fil
de ma vie ?

Considère ton coeur,
Il n'a rien de formidable.
Juste un grain de sable
coincé dans le millénaire.
Une goutte de calcium
Dans le coquillage d'un mollusque.
Considère tout cela
Et aussi d'autres choses.
(Seulement tu n'as pas considéré le serveur
À tes côtés
— Un autre bière, docteur ?

D'où peut surgir cet être médiéval
Et qui n'a pas dormi depuis des siècles ?
Et pourquoi me regardes-tu ainsi, étonné,
Comme si tu voyais un ornithorynque ?
Dans la nature, rien ne se perd,
Rien ne se créé,
Tout se transforme.

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Edward Hopper
Noctambules (détail)
(1942)
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