Assim me lembro...


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Gilberto Nable »»
 
O mago sem pombos (2008) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Assim me lembro...
Ainsi je me souviens...


Assim me lembro.
O sol através das vidraças
desenhava coisas no assoalho.
Meu coração inquieto de criança
só amava ver o que não havia.
E nos feixes de luz,
as partículas brilhantes,
poeira leve no ar,
numa fina agitação.
Pó de borboletas,
milhares de minúsculos
mundos habitados:
luminosas constelações.

Minha mãe, tecelã do meu pranto,
já não está mais comigo.
Entanto, ouço a máquina de costura,
entre paredes azuis, naquele quarto.
O calmo pedalar, o voar dos retroses,
dedais, colchas de retalhos,
o cheiro suave de tecido novo.

Ali aprendi minha solidão.
As pessoas se ajeitam, e passam.
Dos projetos, deixam alinhavos,
poucos reparos, teu nome bordado
nas meias, nas camisas de linho.
Mas o quarto, a mãe do menino,
esses ainda hoje existem,
e flutuam,
nalgum dos planetas da poeira,
tão distantes e próximos,
tão infinitos e mínimos.


Ainsi je me souviens.
Le soleil à travers les vitres
dessinait des formes sur le plancher.
Mon cœur inquiet d'enfant aimait
voir seulement ce qui n'était pas là.
Et dans les rayons de lumière,
les particules brillantes,
le poudroiement léger de l'air,
leur fine agitation.
Poudre de papillons,
milliers de mondes
habités, minuscules :
lumineuses constellations.

Ma mère, dentellière de mes pleurs,
déjà n'était plus avec moi.
Mais j'entends encore la machine à coudre,
entre les murs bleus, dans cette pièce.
Le calme pédalier, le vol de la navette,
dés à coudre, patchworks des couvre-lits,
et la douce odeur d'un nouveau tissu.

C'est là que j'ai appris ma solitude.
Les gens s’en accommodent, et passent.
Des projets, laissés à l'abandon,
un peu de raccommodage, ton nom brodé
sur des chaussettes, sur des chemises de lin.
Mais la pièce, la mère de l'enfant,
elles existent encore aujourd'hui,
et flottent,
parmi des planètes poudreuses,
si distantes et si proches,
aussi infinies qu'infimes.

________________

Jan Vermeer
La dentellière (détail)
(1669-1670)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (19) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (429) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (248) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)