Assim me lembro...


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Gilberto Nable »»
 
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Assim me lembro...
Ainsi je me souviens...


Assim me lembro.
O sol através das vidraças
desenhava coisas no assoalho.
Meu coração inquieto de criança
só amava ver o que não havia.
E nos feixes de luz,
as partículas brilhantes,
poeira leve no ar,
numa fina agitação.
Pó de borboletas,
milhares de minúsculos
mundos habitados:
luminosas constelações.

Minha mãe, tecelã do meu pranto,
já não está mais comigo.
Entanto, ouço a máquina de costura,
entre paredes azuis, naquele quarto.
O calmo pedalar, o voar dos retroses,
dedais, colchas de retalhos,
o cheiro suave de tecido novo.

Ali aprendi minha solidão.
As pessoas se ajeitam, e passam.
Dos projetos, deixam alinhavos,
poucos reparos, teu nome bordado
nas meias, nas camisas de linho.
Mas o quarto, a mãe do menino,
esses ainda hoje existem,
e flutuam,
nalgum dos planetas da poeira,
tão distantes e próximos,
tão infinitos e mínimos.


Ainsi je me souviens.
Le soleil à travers les vitres
dessinait des formes sur le plancher.
Mon cœur inquiet d'enfant aimait
voir seulement ce qui n'était pas là.
Et dans les rayons de lumière,
les particules brillantes,
le poudroiement léger de l'air,
leur fine agitation.
Poudre de papillons,
milliers de mondes
habités, minuscules :
lumineuses constellations.

Ma mère, dentellière de mes pleurs,
déjà n'était plus avec moi.
Mais j'entends encore la machine à coudre,
entre les murs bleus, dans cette pièce.
Le calme pédalier, le vol de la navette,
dés à coudre, patchworks des couvre-lits,
et la douce odeur d'un nouveau tissu.

C'est là que j'ai appris ma solitude.
Les gens s’en accommodent, et passent.
Des projets, laissés à l'abandon,
un peu de raccommodage, ton nom brodé
sur des chaussettes, sur des chemises de lin.
Mais la pièce, la mère de l'enfant,
elles existent encore aujourd'hui,
et flottent,
parmi des planètes poudreuses,
si distantes et si proches,
aussi infinies qu'infimes.

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Jan Vermeer
La dentellière (détail)
(1669-1670)
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