Relatório


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Nuno Júdice »»
 
A Matéria do Poema (2008) »»
 
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Relatório
Compte-rendu


Faço o inventário dos móveis nesta casa vazia,
com um caderno de escola, enchendo as linhas
com um desenho minucioso de palavras:
um armário de almas, uma cadeira de balouço,
um aparador de ecos, uma mesa sem pernas,
um espelho de sombra, um ângulo interrompido
na cesura do verso, uma estante de imagens.

Levo esta lista ao notário; e peço-lhe que
risque os objectos inúteis, para que o caderno
sirva para alguma coisa. Mas ele pede-me que
substitua as palavras pelos objectos. Então,
ponho a alma no armário, balouço o corpo na
cadeira, grito no abismo do aparador, faço
andar a mesa, olho-me no espelho do verso,
e tiro da estante todas as imagens.

«Que casa é esta?», pergunta-me o
empregado. Digo-lhe que as salas são
as estrofes, que os muros são feitos com
o tijolo dos versos, que um gesso de rimas
preenche os interstícios. Só não sei indicar
a rua, o número, a cor das paredes. É uma casa
que não existe, embora seja a minha casa.

E esvazio-a de móveis, de objectos, de palavras,
até ficar apenas com o poema que a construiu.

De cette maison vide, j'inventorie les meubles,
muni d'un cahier d'écolier, remplissant les lignes
avec le dessin minutieux des mots :
un buffet des âmes, une chaise à bascule,
un dressoir d'échos, une table sans pieds,
un miroir d'ombre, un angle interrompu
à la césure des vers, une archelle d'images.

Je porte cette liste chez le notaire ; et le prie
de barrer les objets inutiles pour que ce cahier
serve à quelque chose. Mais il me demande
de remplacer les mots avec des objets. Donc
Je mets mon âme dans le buffet, balance mon corps
sur la chaise, cries dans l'abîme du dressoir, fait
tourner la table, me regarde dans le miroir des vers,
et je retire toutes ces images de l'archelle.

« Quelle est cette maison ? » me demande l'
employé. Je lui dis que les chambres sont
les strophes, que les murs sont faits avec
la brique des vers, qu'un plâtre de rimes
emplit les interstices. Je ne sais comment désigner
la rue, le numéro, la couleur des murs. C'est une maison
qui n'existe pas, bien qu'elle soit ma maison.

Et je la vide de ces meubles, objets et mots,
jusqu'à ce que seul le poème l'a construise.


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Edward Hopper
Maison au bord de la voie ferrée (1923)
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