Conto de Verão


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Conto de Verão
Conte d'été


A meio da tarde mas como se fosse fim 
o papagaio em ziguezague puxado por cordas.

À varanda da infância a que voltei 
acompanho os primos namorados irmãos

que correm na areia guiados pelo que 
verticalmente decerto lhes parece o céu

mas visto daqui é tão-só o alto, 
a vida natural ao vento violenta a vida

deles, dançam como âncora ou contrapeso 
ao artefacto vermelho que lhes escapa

embora o tenham bem preso, sopra onde quer, 
a maresia, constante e quase mansa

na folhagem, na bandeira, nas memórias. 
O rapaz tem firme nas mãos

o terrível brinquedo, indo ao chão 
como os pioneiros dos aeroplanos,

feliz na sua ciência, intrépido, determinado 
na expressão que porém não alcanço,

tão miúdo que cai e se levanta 
como se nada fosse, enquanto ela fica

deitada sempre que tropeça, ou quando 
ele lhe dá as rédeas por momentos.

Volteiam do relógio quase até ao farol, 
com uma mortal seriedade e alegria 

que não compreendo, têm como fogo preso 
o seu caprichoso foguete, às vezes

o papagaio tem mais força do que dois 
adolescentes, e cumpre o seu papel,

imprevisível mas complacente, indomável 
mas seguro, subindo em volutas, 

descendo a pique, vigia de uma praia 
quase inóspita a esta luz suave,

Joguete sem tempo 
unindo quem só tem futuro ainda 

e o passado que os observa e se faz 
assim remoto, armadilhado, 

entre falsas recordações, vagos arquétipos, 
histórias hipotéticas, canções tristes.

Ficou o mundo em silêncio, veraneantes, 
automóveis, tudo o que acontece é

aquela coreografia que eles fazem 
para ninguém, nem um para o outro,

o rapaz tão calmo mesmo quando perde 
por instantes um combate, a menina

que diz frases que não ouço, 
esfuziante, ignorante, seminua,

e quando fecho a janela 
ela vê o papagaio cair e abre os braços. 
Par une après-midi s'avançant vers sa fin
le cerf-volant tiré par ses ficelles zigzague.

Revenu sous la véranda de l'enfance
j’accompagne cousins amies et frères

qui courent sur le sable guidés par ce qui
à la verticale, leur semble être le ciel

mais qui n'est, vu d’ici, qu'une élévation,
la vie naturelle au vent qui violente leur vie,

ils dansent comme une ancre ou un contre-
poids à l’objet rouge qui leur échappe

alors qu’ils l’ont bien calé, soufflant où il veut,
l'air marin, constant est presque doux

dans le feuillage, sur le drapeau, les souvenirs.
Le garçon tient fermement dans ses mains

le terrible jouet, le portant au sol
comme les pionniers de l'aviation,

heureux de sa science, intrépide, déterminé
avec une expression que je ne saurais décrire,

si petit qu’il tombe et se relève
comme si de rien n’était, alors qu’elle reste

couchée lorsqu’il trébuche, ou
lui donne les rênes pour un moment.

Ils tournoient de l’horloge jusqu’au phare, ou
presque, avec une gravité joyeuse et mortelle

que je ne comprends pas, ont comme un feu
qui retient la fusée capricieuse, et parfois

le cerf-volant a plus de force que deux
adolescents, et il remplit son rôle,

imprévisible mais complaisant, indomptable
mais sûr, il monte en volutes,

pour redescendre à pic, guetteur d’une plage
presque inhospitalière à cette douce lumière,

Fusée hors du temps
qui unit ceux qui ont encore un futur

et le passé qui les observe et se met
ainsi à distance, les piège avec

de faux souvenirs, vagues archétypes,
histoires hypothétiques, chansons tristes.

Le monde se fait silence, vacances d'août,
automobiles, tout ce qui arrive est

cette chorégraphie qu’ils font
pour personne, ni pour l’un ni pour l’autre,

le garçon reste calme même lorsqu'il perd
pour un instant le combat, la fille

lui dit des mots qu'il n'entend pas,
ignorante, effusive, à demi-nue,

et quand je ferme la fenêtre
elle voit le cerf-volant tomber et ouvre les bras.
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Candido Portinari
Cerfs-volants (1941)
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