As águas passam…


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As águas passam…
Les eaux s'écoulent…


As águas passam a velocidade
constante, o rio é um corpo. As
letras avançam pelas palavras,
avançam pelos versos, compõem
o poema. O poema é um corpo,
passa a velocidade constante.
A palavra medo não pode faltar
no poema, é levada pela corrente,
medo, palavra entre palavras,
distinta por um momento, medo,
e indistinta logo a seguir, passou
como passa tudo e, no entanto,
o seu significado permanece
ao longo dos versos seguintes,
alastra, contagia todo o poema,
ressoa, o medo ressoa até ser
inseparável das outras palavras,
até todas as palavras significarem
medo, como água ou como a força
da água, como velocidade constante.
O medo é grande e único, é um corpo.
Na margem do rio, estou sentado
num sofá. Vejo notícias na televisão,
como se assistisse à passagem do rio.
Deus, és tu que tens o telecomando?
Les eaux s'écoulent avec une vitesse
constante, le fleuve est un corps. Les
lettres avancent avec les mots,
avancent avec les vers, composent
le poème. Le poème est un corps,
il coule à vitesse constante. Le mot
peur ne peut être omis dans le
poème ; il est porté par le courant,
peur, un mot au milieu des mots,
distinct pendant un moment, peur,
et bientôt indistinct. Il est passé
comme tout passe, et pourtant
son sens demeure tout au long
des vers suivants, se répandant,
infectant tout le poème, résonnant,
la peur résonnant jusqu'à devenir
indissociable des autres mots,
jusqu'à ce que tous les mots signifient
peur, comme l'eau ou comme la force
de l'eau, comme une vitesse constante.
La peur est grande et unique, est un corps.
Au bord du fleuve, je suis assis sur un
canapé. Je regarde les infos à la télévision,
comme si j'assistais au passage du fleuve.
Dieu, est-ce toi qui tiens la télécommande ?
________________

Mario Schifano
Picasso à la télé (1974-1975)
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