Tatão e as ruas


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Tatão e as ruas
Tatão et les rues


em certos lugares
interrogo os jardins
da minha infância.

interrogo sem resposta,
sem surpresa, sem esperança.

pois que jamais encontrei
aquela perfeição contida, sinto-me órfão.

a lição primeira de geometria
deu-se naqueles parques.

o velho jardineiro professava sem escândalo
ao sol do meio-dia.

ao povo simples
oficiava a sua matemática.

de um arbusto senil
fazia um cone invertido.
cubos estranhos de árvore
tomavam aos poucos a planura
e os muros vivos não cercavam:
antes ofereciam aos passantes
o espetáculo.
bordavam a cidade para o baile.

as duas filhas do jardineiro
foram estudar matemática.
de certa forma, a minha paixão pelos números
também nascera ali, intratável e física,
naqueles parques.

mas ninguém sabia melhor
proteger sua escultura.
ninguém tinha tal viço:
a ponto de morrer sob o sol do ofício
com um golpe de vento ou de árvore.

um golpe capaz de cessar,
para sempre,
todos os jardins e parques e ruas
da minha infância.
en certains lieux
j'interroge les jardins
de mon enfance.

interrogation sans réponse,
sans surprise, sans espoir.

car je n’ai jamais rencontré
cette perfection contenue, qui me rend orphelin.

ma première leçon de géométrie
me fut donnée dans ces parcs.

le vieux jardinier professait sans esclandre
au soleil de midi.

au peuple simple
il servait l'office de sa mathématique.

d’un arbuste sénile
il faisait un cône inversé.
des cubes étranges d’arbre
ont conquis peu à peu le plateau
et les murs végétalisés ne l'encerclent plus :
avant, ils offraient aux passants
un spectacle.
ils embellissaient la ville pour le bal.

les deux filles du jardinier
y étudièrent les mathématiques.
d’une certaine façon, ma passion pour les chiffres
est né là aussi, intraitable et physique,
dans ces parcs.

mais personne ne savait mieux
que lui protéger sa sculpture.
personne n’avait autant d'ardeur :
au point de mourir sous le soleil de l'office
après un coup de vent ou d’arbre.

un coup capable d'abolir,
pour toujours,
tous les jardins et les parcs et les rues
de mon enfance.
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Paul Cézanne
Le jardinier Vallier (1906)
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