Minha pátria


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Lêdo Ivo »»
 
Plenilúnio (2004) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Minha pátria
Ma patrie


Minha pátria não é a língua portuguesa.
Nenhuma língua é a pátria.
Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci
e o vento que sopra em Maceió.
São os caranguejos que correm na lama dos mangues
 e o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando sonho.
 Minha pátria são os morcegos suspensos no forro das igrejas carcomidas,
os loucos que dançam ao entardecer no hospício junto ao mar,
e o céu encurvado pelas constelações.
Minha pátria são os apitos dos navios
e o farol no alto da colina.
Minha pátria é a mão do mendigo na manhã radiosa.
São os estaleiros apodrecidos
 e os cemitérios marinhos onde os meus ancestrais tuberculosos e impaludados não param de tossir e tremer nas noites frias
e o cheiro de açúcar nos armazéns portuários
e as tainhas que se debatem nas redes dos pescadores
e as résteas de cebola enrodilhadas na treva
e a chuva que cai sobre os currais de peixe.
A língua de que me utilizo não é e nunca foi a minha pátria.
Nenhuma língua enganosa é a pátria.
 Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria muda,
 minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário,
minha pátria sem língua e sem palavras.

Ma patrie n'est pas la langue portugaise.
Aucune langue n'est une patrie.
Ma patrie est la terre molle et collante où je suis née
et le vent qui souffle sur Maceió.
Ce sont les crabes qui courent dans la boue des mangroves
 et l'océan dont les vagues continuent de mouiller mes pieds quand je rêve.
 Ma patrie ce sont les chauves-souris suspendues aux voutes des églises délabrées,
les fous de l'asile en bord de mer qui dansent au crépuscule,
et le ciel incurvé par les constellations.
Ma patrie ce sont les sirènes des bateaux
et le phare au sommet de la colline.
Ma patrie c'est la main du mendiant par un matin ensoleillé.
Ce sont les arsenaux pourrissants
 et les cimetières marins où mes ancêtres tuberculeux et impaludés ne cessent de tousser et de frissonner dans les nuits froides
c'est l'odeur de sucre des entrepôts du port
les mulets qui se débattent dans les filets des pêcheurs
des restes d'oignons entortillés dans les ténèbres
la pluie qui tombe sur le poisson des viviers.
La langue que j'utilise n'est et n'a jamais été ma patrie.
Aucune langue fallacieuse n'est la patrie.
 Elle ne me sert qu'à célébrer ma grande et pauvre patrie muette,
 ma patrie dysentérique et édentée, sans grammaire ni dictionnaire,
ma patrie sans langue et sans paroles.

________________

Cândido Portinari
Enfant mort (de la série "Retirantes" - 1944)

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (10) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)