A queimada


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Lêdo Ivo »»
 
Curral de Peixe (1995) »»
 
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A queimada
Le brûlot


Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arterioesclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.

Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num covil
e só mostre à canalha das ruas
os seus dentes afiados.

Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.

Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.

Brûle tout ce qui se peut :
les lettres d'amour
les notes de téléphone
la pile des vêtements sales
les factures et certificats
les indiscrétions des confrères rancuniers
la confession interrompue
le poème érotique qui entérine l'impuissance
et prélude à l’athérosclérose
les vieilles coupures et les photos jaunies.

Ne laisse aux héritiers affamés
aucun héritage par écrit.
Sois comme les loups: vis dans une tanière
et ne montre tes crocs acérés
qu'à la canaille des rues

Vis et meurs recroquevillé dans ta coquille.
Dis toujours non aux rinçures électroniques.
Détruis les poèmes inachevés, les brouillons,
les variantes et les fragments
qui provoquent l'orgasme tardif des philologues, des scoliastes.

Ne laisse aux pilleurs d'immondices littéraires que les miettes.
Ne confie à personne ton secret.
La vérité ne peut pas être dite.

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Pedro Berruguete
Autodafé de livres hérétiques (1493-1499)

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