A flor da solidão


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Ruy Belo »»
 
Transporte no tempo (1973) »»
 
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A flor da solidão
Fleur de solitude


Vivemos convivemos resistimos
cruzámo-nos nas ruas sob as árvores
fizemos porventura algum ruído
traçámos pelo ar tímidos gestos
e no entanto por que palavras dizer
que nosso era um coração solitário
silencioso profundamente silencioso
e afinal o nosso olhar olhava
como os olhos que olham nas florestas
No centro da cidade tumultuosa
no ângulo visível das múltiplas arestas
a flor da solidão crescia dia a dia mais viçosa
Nós tínhamos um nome para isto
mas o tempo dos homens impiedoso
matou-nos quem morria até aqui
E neste coração ambicioso
sozinho como um homem morre cristo
Que nome dar agora ao vazio
que mana irresistível como um rio?
Ele nasce engrossa e vai desaguar
e entre tantos gestos é um mar
Vivemos convivemos resistimos
sem bem saber que em tudo um pouco nós morremos
Nous vivons en accord en désaccord
nous nous croisons par les rues sous les arbres
nous avons fait sans doute un peu de bruit
esquissé en l'air des gestes timides
Les mots pour autant comment pourraient-ils
dire ce qu'est notre cœur solitaire
silencieux profondément silencieux
Et au bout du compte nos yeux regardent
comme les yeux regardent les forêts
Au centre des cités tumultueuses
à l'angle visible aux multiples arêtes
jour après jour la fleur de solitude
croit plus florissante Un mot existait
mais le temps impitoyable des hommes
nous a tué nous qui mourrions jusqu'ici
Et dans ce cœur ambitieux aussi seul
qu'un homme qui meurt comme meurt un christ
quel nom donner au vide qui s'écoule
irrésistible aujourd'hui comme un fleuve
Il nait il grossit pour aller se perdre
après tant de gestes au fond de la mer
Nous vivons en accord en désaccord
sans bien savoir que nous mourrons un peu, en tout.
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Guim Tió Zarraluki
Espace irréel (2010)
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