Elegia para minha mãe


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Cassiano Ricardo »»
 
Um Dia Depois do Outro (1947) »»
 
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Elegia para minha mãe
Élégie pour ma mère


Só me resta agora
esta graça triste
de te haver esperado
adormecer primeiro.

 Ouço agora o rumor
das raízes na noite,
também o das formigas
imensas, numerosas,
que estão, todas, corroendo
as rosas e as espigas.
 
Sou um ramo seco
onde duas palavras
gorjeiam. Mais nada.
E sei que já não ouves
estas vãs palavras.
Um universo espesso
dói em mim, com raízes
de tristeza e alegria.
Mas só lhe vejo a face
da noite e a do dia.
 
Não te dei o desgosto
de ter partido antes.
Não te gelei o lábio
com o frio do meu rosto.
O destino foi sábio:
entre a dor de quem parte
e a maior — de quem fica —
deu-me a que, por mais longa,
eu não quisera dar-te.
 
Que me importa saber
se por trás das estrelas
haverá outros mundos
ou se cada uma delas
é uma luz ou um charco?
O universo, em arco,
cintila, alto e complexo.
 E em meio disso tudo
e de todos os sóis
diurnos, ou noturnos,
só uma coisa existe.
 
É esta graça triste
de te haver esperado
adormecer primeiro.
 
É uma lapide negra
sobre a qual, dia e noite,
brilha uma chama verde.
Il ne me reste plus
que cette triste faveur
d'avoir attendu que toi,
tu t'endormes la première.

J'entends depuis, la rumeur
des racines dans la nuit,
celle aussi des fourmis
immenses, nombreuses,
qui toutes rongent
les roses et les épis.

Je suis un rameau sec
où deux mots
grisolent. Rien de plus.
Et je sais que tu n’entends plus
ces vaines paroles.
Un univers épais
me fait mal, avec des racines
de tristesse et de joie.
Mais je ne vois que le visage
de la nuit et du jour.

Je ne t’ai pas brisé le cœur
d’être parti avant.
Je n'ai pas glacé tes lèvres
avec le froid de mon visage.
Le destin a été plus sage :
entre la douleur de qui part
et la plus grande – de qui reste –
tu m’as donné celle que moi
je ne voulais pas te donner.

Qui se soucie de savoir
si derrière les étoiles
il y aura d’autres mondes
ou si chacun d’eux est
une lumière ou un bourbier ?
L'univers scintille, arche
immense et complexe.
Et au milieu de tout cela
et de tous les soleils
diurnes, ou nocturnes,
une seule chose existe.

Cette triste faveur
d'avoir attendu que toi,
tu t'endormes en premier.

C'est une tombe noire
sur laquelle, jour et nuit,
brille une flamme verte.
________________

Egon Schiele
Mère morte (1910)
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