Ignorar a morte


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José Tolentino de Mendonça »»
 
A Noite abre meus olhos (2006) »»
 
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Ignorar a morte
Ignorer la mort


Se agitares tesouras numa fogueira
não esqueças que me feres
um avesso de lume é o meu único segredo
no impreciso avanço das lâminas
um anjo o descobriria

Tira a faca da gaveta
mas não esqueças
se a cravares na água
como altas vagas o mar me sepultará
dentro da casa abandonada

Não lamentes serem os versos
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte.
Si tu agites les ciseaux sur les flammes
n'oublie pas que tu peux me blesser
l'envers du feu est mon unique secret
dans l’avance imprécise des lames
un ange le découvrirait.

Sors le couteau du tiroir
mais n'oublie pas
si dans l'eau tu l'enfonces
sous combien de vagues, m'ensevelira la mer
à l'intérieur de la maison abandonnée.

Ne te lamentes pas, toi qui sais
les vers si fragiles
les plus belles fleurs sont encore celles
que l'on cueille dans l'ignorance de la mort
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William-Adolphe Bouguereau
Marguerite (1894)
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