Pátria


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Rui Knopfli »»
 
O Escriba Acocorado (1978) »»
 
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Pátria
Patrie


Um caminho de areia solta conduzindo a parte
nenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,
eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios também
tinham nomes por que era costume designá-los.
Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagal

e a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso
e misterioso, habitado por deuses e duendes
de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados
que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois,
com valados, elevações e planuras, e mais rios

entrecortando a savana, e árvores e caminhos,
aldeias, vilas e cidades com homens dentro,
a paisagem estendia-se a perder de vista
até ao capricho de uma linha imaginária. A isso
chamávamos pátria. Por vezes, de algum recesso

obscuro, erguia-se um canto bárbaro e dolente,
o cristal súbito de uma gargalhada, um soluço
indizível, a lasciva surdina de corpos enlaçados.
Ou tambores de paz simulando guerra. Esta
não se terá feito anunciar por tal forma

remota e convencional. Mas o sangue adubou
a terra, estremeceu o coração das árvores
e, meus irmãos, meus inimigos morriam. Uma
só e várias línguas eram faladas e a isso,
por estranho que pareça, também chamávamos pátria.

De quatro paredes restaram as pedras. Com as folhas
de zinco e a madeira ferida dos travejamentos
perfaziam uma casa. Partes de um corpo
desmembrado, dispersas ao acaso, vento e silêncio
as atravessam e nelas não dura a memória

que em mim, residual, subsiste. Sobre escombros
 deveria,
talvez, chorar pátria e infância, os mortos que
lhe precederam a morte, o primeiro e o derradeiro
amor. Quatro paredes tombadas ao acaso e isso bastou
para que, no que era só mundo, todo o mundo entrasse

e o polígono demarcado, conservando embora
a original configuração, fosse percorrido por
um arrepio estrangeiro, uma premonição de gelos
e inverno. Algo lhe alterara imperceptivelmente
o perfil, minado por secreta, pertinaz enfermidade.

Semelhante a qualquer outro, o lugar volvia meta
e ponto de partida, conceitos que, como a linha
 imaginária,
circunscrevem, mas de todo eludem, o essencial.
Ladeado de sombras e árvores, o caminho de areia,
que se dizia conduzir a parte alguma, abria

para o mundo. A experiência reduz, porém,
a segunda à primeira das asserções: pelo mundo
se alcança parte nenhuma; se restringe ficção
e paisagem ao exíguo mas essencial: legado
de palavras, pátria é só a língua em que me digo.
Un chemin meuble et sablonneux menant à
nulle part. Les arbres s'appelaient casuarina,
eucalyptus, chanfuta. Placides, les rivières avaient
aussi des noms car il était d'usage de les désigner.
De même que les oiseaux survolant le maquis

et la forêt tournant à un bleu ou un vert plus dense
et mystérieux, habitée par des dieux et des elfes
d'une mythologie qui ne nous vient pas des sommes et traités
qu'on a coutume de consacrer à de telles choses. Puis,
après fossés, élévations et plaines, des rivières encore

coupant la savane, et des arbres et des sentiers,
des villages, des villes et des cités avec des hommes
au-dedans, le paysage s'étendait à perte de vue
jusqu'au caprice d'une ligne imaginaire. C'est ce que
nous appelions patrie. Parfois, de quelque recoin

obscur, s'élevait un chant barbare et douloureux,
le cristal d'un éclat de rire soudain, un sanglot
indicible, la surdité lascive des corps enlacés.
Ou des tambours de paix simulant la guerre. Cela
n’aura pas été annoncé de manière aussi

lointaine et conventionnelle. Mais le sang a fécondé
la terre, le sang a fait trembler le cœur des arbres
et, mes frères, et mes ennemis sont morts. Une
et plusieurs langues étaient parlées et, aussi étrange
que cela puisse paraître, nous l'appelions aussi patrie.

Des quatre murs restaient les pierres. Avec les tôles
de zinc et les poutres endommagées de la charpente,
on avait presque une maison. Des parties d'un corps
démembré, dispersées au hasard, le vent et le silence
les traversent et en elles, il n'y a plus rien du souvenir

qui en moi, résiduel, subsiste. Sur les décombres, ils
 devraient
peut-être pleurer patrie et enfance, les morts qui
ont précédé sa mort, son premier et son dernier amour.
Quatre murs tombés par hasard et cela a suffi pour
que tout le monde, entre dans ce qui n'était qu'un monde,

pour que le polygone délimité, tout en conservant
sa configuration originale, soit parcouru par
un frisson étranger, un pressentiment de glace
et d'hiver. Une chose avait altéré imperceptiblement
son profil, miné par une secrète, une opiniâtre infirmité.

Semblable à tout autre, le lieu est devenu un but
et un point de départ, concepts qui, pareils à une ligne
 imaginaire,
circonscrivent mais éludent complètement l'essentiel.
Flanqué d'ombres et d'arbres, le chemin sablonneux,
dont on disait qu'il ne conduisait nulle part, s'ouvrait

sur le monde. L’expérience, cependant, réduit
la seconde à la première des assertions : par le monde
on n'atteint nulle part ; fiction et paysage se réduisent
au strict minimum mais plus essentiel est l'héritage
des mots, la patrie n'est que la langue dans laquelle je parle.
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William Morris Hunt
Le garçon tambour (1867)
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