De algum modo, desconfiar da música...



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De algum modo, desconfiar da música...
En quelque sorte, se méfier d'une musique...


De algum modo, desconfiar da música
Que parece oferecer as suas alcovas
Para depor cuidados ou para um esquecimento fácil,
Rodeando-nos com os seus paraísos artificiais,
A ondulação de bosques mágicos,
As suas paredes fabulosas e invisíveis,
O acalanto dos seus reinos inalcançáveis,
As suas huris e águas perfumadas.
Não aceitar a música que não traga
As suas próprias bacantes,
Por exemplo, alastrando num piano,
Cada vez mais selvagem,
Subvertendo a ordem de um piano,
Dilacerando e enlouquecendo escalas,
Sopro de turbação em todas as geometrias,
Harmonia dissidente,
Não aceitar nenhuma música
Que não aceite primeiro
Desmembrar-se, despedaçar-se,
Sem se comprazer na sua própria forma,
Para dar lugar no interior de si
A uma música mais perfeita –
E assim sucessivamente,
Eclodindo na sua pira funerária.
En quelque sorte, se méfier d'une musique
Qui semble offrir ses alcôves
Pour donner du réconfort ou un oubli facile,
Nous entourant de ses paradis artificiels,
De l'ondulation de ses bosquets magiques,
De ses murs fabuleux et invisibles,
De l'accalmie de ses royaumes inaccessibles,
De ses houris et de ses eaux parfumées. .
Refuser une musique qui n'apporte pas
Ses propres bacchantes,
Qui, par exemple se répand sur un piano,
Toujours plus sauvage,
Qui bouleverse l'ordre du piano,
Déchire et affole ses gammes, et souffle
Le trouble dans toutes leurs géométries,
Dissidente harmonie,
N'accepter aucune musique
Qui n'ait accepté au préalable
De se démembrer, de se fracasser,
Sans prendre plaisir à sa propre forme,
Pour faire place à l'intérieur de soi
À une musique plus parfaite –
Et ainsi successivement, qui vienne
Éclore sur son bûcher funéraire.
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Salvador Dalì
Le piano espagnol
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