Geografia humana


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
José Régio »»
 
A Chaga do Lado (1954) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Geografia humana
Géographie humaine


Todo peludo e tosco, exemplar digno de se ver,
− O belo monstro! − ei-lo exposto
Ao gáudio e pasmo de quemquer
Que tenha gosto.

Os pais vêm mostrá-lo aos filhos inocentes;
E as criancinhas olham, assombradas,
Seus braços guedelhudos e pendentes,
Suas pernas truncadas e cambadas.

Mal sabem, pobres pequenos!,
Se hão-de chorar ou rir, quando, por trás da grade,
Ele faz gestos obscenos
A selecta sociedade.

Tranquila, porque a jaula é modelar,
Toda a plateia exulta e aplaude, ufana
De impunemente desafiar
O monstro cuja forma é quase humana.

E todos riem-se, gingão e calaceiro,
Cansado, já, talvez, dos seus admiradores,
Exibe o calo do traseiro
Às damas e aos senhores.

Espicaçam-no, então, para que tão depressa
Não se esgote a gratuita diversão,
E o vejam, como é da peça,
Rebolar-se e pinchar de excitação.

Rebola-se, afocinha, e pincha, guincha, dança,
Com expressões de velho
E jeitos de criança
Que são um bom espelho!

Ou, rilhando o focinho monstruoso,
Desesperado, investe contra as grades,
Furiosamente saudoso
De longínquas liberdades...

E as pupilas a arder, como luzinhas pretas,
De entre pêlos, na testa acachapada,
Saltam, vão dum a outro, interrogando, inquietas,
Sem compreenderem que ninguém compreenda nada!

Ninguém?... Não sei. A poesia é filha
De perturbantes sugestões,
E um mísero macaco, um nem talvez gorilha,
Pode dar a um poeta imagens e visões.

Porque, naquela turba, há um doido... um poeta moço
Que sonha... sonha o quê? Que o hão-de expor, um dia,
Remido, esse grotesco e mísero colosso
− Rei dos Judeus, rei nosso −
Com, por manto real, um trapo púrpura ao pescoço,
E uma cana, por ceptro, na mão fria.
Tout poilu et raboteux, un exemplaire digne d'être vu,
− Quel beau monstre ! − Ici, exposé
À la jubilation et à l'ébahissement de quiconque
Vient l'apprécier

Les parents le montrent à leurs enfants innocents ;
Et les petits enfants regardent, effrayés,
Ses bras velus et pendants,
Ses jambes tronquées et tortues.

Ils ne savent pas, les pauvres petits,
S'il faut rire ou pleurer, quand, derrière les barreaux,
Il fait des gestes obscènes
À l'honnête bourgeois.

Pas d'inquiétude, la cage est conforme,
Tout le parterre applaudit et acclame, fier
De pouvoir défier impunément
Ce monstre à forme presque humaine.

Et tous se moque de lui, se dandinant, paresseux
et qui déjà fatigué peut-être de ses admirateurs,
Exhibe les callosités de son derrière
Aux dames et aux messieurs.

Aussi ils le harcèlent afin que ne s'épuise pas
trop vite ce divertissement gratuit,
et ils le voient, comme au spectacle,
Se rouler et trépigner d'excitation.

Il se roule à terre, trépigne, piaille et danse,
avec les expressions d'un vieil homme
Et des gestes d'enfants
Qui sont une belle imitation !

Ou, retroussant son museau monstrueux,
Désespéré, il se jette contre les barreaux,
Furieux et nostalgiques
Des anciennes libertés perdues...

Et ses pupilles brûlantes, petites lumières noires,
Au milieu de sa fourrure, sur son front bas,
Roulent, vont de l'un à l'autre, interrogeant, inquiets,
Sans jamais comprendre que personne ne comprend !

Personne ?... Je ne sais pas. La poésie est fille
De troublantes suggestions,
Et un misérable singe, pas même un gorille,
Peut donner à un poète images et visions.

Car, au milieu de cette foule, il y a un fou... un jeune poète
Qui rêve... qui rêve de quoi ? Qu'ils l'exposeront, un jour,
Une fois libre, ce grotesque et misérable colosse
– Roi des Juifs, notre roi –
Avec un chiffon pourpre au cou en guise de manteau royal,
Et, un roseau, pour sceptre, dans sa main froide.
________________

Michelangelo Pistoletto
Singe en cage (1962-1973)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Brasileiro (1) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (112) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (27) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (482) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (291) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)