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Um cavalo morto não pode ler poemas.
Um leão morto não pode ler poemas.
Uma árvore morta não pode ler poemas.
O afogado não pode ler poemas.

Morto com 19 anos de idade no dia 19 de abril,
Domingo de Ramos, Gary English, atropelado por um
 Land Rover
do exército britânico sob o ataque de coquetéis molotov,
não pode ler poemas.

Todos que morreram com 19 anos não podem ler
 poemas.

Então o avião explodiu no céu da Ucrânia Oriental
e um dos cadáveres atravessou o telhado da casa de
 Irina Tipunova.
Os mortos no campo de girassóis não podem ler
 poemas.

Como explicar a poesia a uma baleia morta?
Como explicar a poesia?

O silêncio multiplica-se, incompreensível, no vento.
Mas o selo, inconfundível, não deixa dúvida.
É o silêncio. Como vem de longe, tem fome.

Dois amigos bebiam na cidade de Irbit, nos montes
 Urais.
O anfitrião insistiu que a verdadeira literatura era
 a prosa,
enquanto o convidado, um antigo professor, afirmava
 que era a poesia.
A discussão literária tornou-se rapidamente num conflito
e o amante da poesia matou o oponente a facadas,
disseram os investigadores.

Os desaparecidos, até que ressurjam, mesmo que
 séculos depois,
até que sejam sepultados estarão impedidos de ler
 quaisquer poemas.

Os mortos em Ruanda, na China, na Bósnia, no Congo,
no Líbano, no Paquistão, nenhum deles nunca mais
lerá um só poema, é preciso que se diga.

Meu pai não pode ler este poema.
Un cheval mort ne peut lire des poèmes.
Un lion mort ne peut lire des poèmes.
Un arbre mort ne peut lire des poèmes.
Un noyé ne peut lire des poèmes.

Décédé à 19 ans le 19ème jour du mois d'avril,
un dimanche des Rameaux, Gary English, renversé par
 une Land Rover
de l'armée britannique, sous l'attaque de cocktails Molotov,
ne peut lire des poèmes.

Tous ceux qui sont morts à 19 ans ne peuvent lire des
  poèmes.

Alors un avion explosa dans le ciel d'Ukraine Orientale,
et l'un des cadavres traversa le toit de la maison d'Irina
  Tipunova.
Les morts du champ de tournesols ne peuvent lire des
  poèmes.

Comment expliquer la poésie à une baleine morte ?
Comment expliquer la poésie ?

Le silence se propage, incompréhensible, dans le vent.
Mais sa marque, indiscutable, ne laisse aucun doute.
C'est le silence. Il vient de loin, et il a faim.

Deux amis buvaient un verre dans la ville de Irbit, dans les
  monts Oural.
L'hôte insistait sur le fait que la vraie littérature était
  la prose,
tandis que l'invité, un ancien professeur, affirmait qu'il
  s'agissait de poésie.
Cette discussion littéraire a rapidement dégénéré en conflit,
et l'amateur de poésie poignarda son adversaire au couteau,
selon les enquêteurs.

Les disparus, jusqu'à leur réapparition, même des siècles
  plus tard,
jusqu'à ce qu'ils soient enterrés, seront dans l'incapacité
  de lire le moindre poème.

Les morts au Rwanda, en Chine, en Bosnie, au Congo,
au Liban, au Pakistan – aucun d'entre eux ne lira
plus jamais un seul poème, il faut le dire.

Mon père ne peut pas lire ce poème.
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Emil Filla
Un lecteur de Dostoïevski (1907)
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