As últimas vontades


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
David Mourão-Ferreira »»
 
Os quatro cantos do tempo (1953-1958) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


As últimas vontades
Les dernières volontés


Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.

Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...

Deixa ficar a flor.

E nem murmures. Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.

Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se, fechados,
sem tréguas, os retratos!

Deixa ficar a flor.

A flor? Não a conheces.
Bem sei. Nem eu. Ninguém.

Deixa ficar a flor.

Não digas nada. Ouve.
Não ouves o degrau?

Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...

Não digas nada. Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.

Deixa ficar a flor.
Laisse la fleur où elle est,
la mort au tiroir,
le temps sur la marche.

Tu connais la marche :
la septième marche
après le palier;
qui grince au passage ;
qui était une planque
pour les cigarettes du paquet
fumé en cachette...

Laisse la fleur où elle est.

Et ne murmure point. Laisse
le temps sur la marche,
et la mort au tiroir.

Tu connais le tiroir :
le premier à gauche,
qui reste fermé.
Qui a pu jeté la clé
par la fenêtre ?
Dans la bataille des haines,
on détruit, on enferme
sans trêve, les portraits !

Laisse la fleur où elle est.

La fleur ? Point ne la connais.
Je sais. Moi non plus. Personne.

Laisse la fleur où elle est.

Ne dis rien. Écoute.
N’entends-tu pas la marche ?

Qui, maintenant, monte l’échelle ?
Comme on est lent !
Si lentement à monter...

Ne dis rien. Écoute :
Il y a bien quelqu’un,
quelqu’un qui apporte la clé.

Laisse la fleur où elle est.
________________

Robert Mapplethorpe
Fleurs (1988)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (435) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (252) Reinaldo Ferreira (23) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)