Linhas cruzadas


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Reinaldo Ferreira »»
 
Livro IV - Dispersos »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Linhas cruzadas
Lignes croisées


Ai de mim!
Que não pedi p'ra nascer
E sou forçado a viver!

A Natureza espreitava
O desejo de meus pais.
E foi pedir ao destino
Que lhes cruzasse os caminhos
Que eles haviam de seguir.
Ah! Pobre mãe!
Antes tivesses nascido
Toda crivada de espinhos,
Estéril como cardo seco!
Mas tinhas olhos de moira:
Um lírio branco murchou
E o teu ventre concebeu
Este farrapo que eu sou.

Duas rectas que se cruzam,
Eis um ponto.
Esse ponto, em movimento,
Há-de ser recta também.
Essa recta e outra recta
Hão-de formar outro ponto,
Novo ponto, nova recta,
E sempre, assim sem remédio.

Eu sou um ponto nascido
De duas vidas cruzadas:
Trouxe comigo um impulso
Que me deu a Natureza
Para seguir um caminho
E a trajectória marcada.
O que me espera? Não sei.
Apenas sei que caminho,
Para um caminho de fel,
Para a certeza do Nada.
Comecei, era menino,
Sou cansado caminhante,
Serei velho peregrino,
E o Nada sempre distante.

Ai de mim!
Que não pedi p'ra nascer
E sou forçado a viver!
Malheur à moi !
Qui n’ai pas demandé à naître
Et qui suis obligé de vivre !

La nature attentive
Au désir de mes parents.
S'en vint demander au destin
De bien vouloir faire se croiser
Les chemins qu’ils allaient suivre.
Ah ! Pauvre mère !
Avant que tu sois née
Toute criblée d’épines,
Stérile comme un chardon sec !
Mais tu avais les yeux de Moira :
Un lys blanc s’est fané
Et ton ventre a conçu
Ce lambeau que je suis.

Deux droites qui se croisent,
C'est là un point.
Ce point, en mouvement,
Doit être une droite, lui aussi.
Cette droite et une autre droite
Devront former un autre point,
Nouveau point, nouvelle ligne droite,
Ainsi de suite, toujours et sans remède.

Je suis ce point qui est né
De deux vies croisées :
J’apporte avec moi une impulsion
Que m’a donné la Nature
Pour suivre un chemin
Et la trajectoire indiquée.
Ce qui m’attend ? Allez savoir.
Je sais seulement que je chemine
Sur un chemin de fiel,
Vers la certitude du Néant.
J’ai d'abord été un enfant,
Fatigué déjà de marcher,
Je serai un vieux pèlerin, un jour,
Avec le Néant jamais très loin.

Malheur à moi !
Qui n’ai pas demandé à naître
Et qui suis obligé de vivre !
________________

Piet Mondrian
Composition II (1929)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (108) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (47) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (37) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (454) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (270) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)