Poema de me chamar António


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Poema de me chamar António
Poème où je m'appelle Antoine


Hoje, ao nascer do sol, de manhãzinha,
ouvi cantar um galo num quintal
quando eu tinha seis anos e fui passar as férias do Natal
com a minha madrinha.

Na cama improvisada no corredor
sabiamente fingia que dormia
muito embrulhado num cobertor,
enquanto numa luz melada e quase fria,
o mundo, sabiamente,
fingia que nascia.

E então apeteceu-me também nascer,
nascer por mim, por minha expressa vontade,
sem pai nem mãe,
sem preparação de amor,
sem beijos nem carícias de ninguém,
só, só e só por minha livre vontade.

Dobrado em circulo no ventre do meu cobertor,
enrugado como um feto à espera da liberdade
(viva a liberdade!)
cerrava e descerrava as pálpebras, sabiamente,
como se as não movesse,
como se não sentisse nem soubesse,
abrindo-as numa fenda dissimulada e estreita,
insensível às coisas quotidianas,
mas hábil para aquela alvorada puríssima e escorreita
que me inundava o sangue através das pestanas.
Fremiam-se-me as pálpebras sacudindo na luz um pó
 de borboletas,
um explodir de missangas furta-cores,
bacilos e vapores,
rendas brancas e pretas.

Cada vez mais feto, mais redondo, mais bicho-de-conta,
mais balão, mais planeta, bola pronta
a meter-se no forno,
mais eterno retorno,
mais sem fim nem princípio, sem ponta nem aresta,
excremento de escaravelho aberto numa fresta.

Foi então que o tal galo cantou.
Looooooonge...
Muito looooooonge...
no quintal da vizinha,
lá para o fim do mundo mesmo ao lado da casa da minha
 madrinha.

Era uma voz redonda, débil, inexperiente,
bruxuleante como a chama
que está mesmo a apagar-se e esperta de repente
e novamente morre e de novo se inflama.
Uma voz sub-reptícia, anódina, irresponsável,
fugaz e insinuante,
um canto sem contornos, aéreo, imponderável.
Tudo isso e muito mais, mas principalmente distante.

Foi assim que a voz do galo na capoeira
do quintal da vizinha
que tinha plantado ao centro uma nespereira
mesmo junto da casa da minha madrinha,
penetrou no ventre macio do meu cobertor.
Era uma frente de onda, compacta e envolvente,
pura já na garganta e agora mais que pura,
filtrada
e destilada
nos poros ávidos da minha cobertura.
Chegou e fulminou o meu ser indigente,
exposto e carecido,
naquele gesto mole e distraído
do Deus omnipotente
da Capela Sistina
quando ergue a mão terrível e fulmina
o coração
de Adão.

E pronto. Eis-me nascido. Cheio de sede e fome.

António é o meu nome.
Aujourd'hui, au lever du soleil, de bon matin
j'ai entendu le coq qui chantait dans la cour
lorsque j'avais six ans et passais les vacances de Noël
chez ma marraine.

Dans le lit improvisé du couloir
sagement je feignais de dormir
bien emmitouflé dans une couverture,
tandis que sous une lumière de miel et presque froide,
le monde, sagement,
feignait de naître.

Alors moi aussi j'ai eu envie de naître,
de naître de moi-même, de ma propre volonté,
sans père ni mère,
sans les préparatifs de l'amour,
sans baisers ni caresses de personne,
seul, seul et seul par ma libre volonté.

Replié en rond dans le ventre de ma couverture,
aussi ridé qu'un fœtus attendant d'être libéré
(vive la liberté !)
plissant déplissant mes paupières, sagement,
comme si je ne pouvais les mouvoir,
comme si je n'éprouvais ni ne savais comment,
les ouvrir étroite et dissimulée dans une fente,
insensible aux choses quotidiennes,
mais habile pour cette aube très pure et ruisselante
qui inondait mon sang au travers de mes cils.
Mes paupières frémissaient, secouant au jour une pluie
 de papillons,
une explosion de perles couleur de flammes,
bacilles et vapeurs,
noires et blanches dentelles.

fœtus, à chaque fois plus arrondi, plus féerique,
plus, ballon planétoïde, tourte prête
à être mise au four,
plus, éternel retour,
plus, sans fin ni commencement, sans pointe ni bord,
excrément de scarabée ouvert dans une lucarne.

C'est alors que ce coq a chanté.
Loooooooin...
Très looooooointain...
dans une ferme du voisinage,
là-bas au bout du monde, juste à côté de la maison
 de ma marraine.

C'était une voix ronde, faible, inexpérimentée,
tremblotante comme une flamme
qui s'éteint peu à peu et soudainement se réveille.
et meurt de nouveau et à nouveau s'enflamme.
Une voix subreptice, anodine, irresponsable,
fugace et insinuante,
un chant sans contours, aérien, impondérable.
Tout ceci et plus encore, mais principalement lointain.

C'est ainsi que la voix du coq dans le poulailler
dans la ferme d'un voisin
qui avait planté en plein milieu un néflier,
juste à côté de la maison de ma marraine,
a pénétré le ventre moelleux de ma couverture.
C'était un front d'ondes, compactes et enveloppantes,
déjà pures dans la gorge et maintenant plus pures encore,
filtrées
et distillées
dans les pores avides de ma couverture.
Arrivant il foudroyait mon être indigent,
exposé et nécessiteux,
dans ce geste mol et distrait
du Dieu omnipotent
de la chapelle Sixtine
lorsqu'il lève sa main terrible et foudroie
le cœur
d'Adam.

Et c'est tout. Là, je suis né. Plein de soif et de faim.

Antoine est mon nom.
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António Gedeão
Autoportrait (1958)
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