Poema do Gato


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Novos Poemas Póstumos (1990) »»
 
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Poema do Gato
Poème du chat


Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?

Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.

Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
Qui ouvrira la porte au chat
quand je serais mort ?

lui qui peut toujours
s'enfuir dans la rue,
flairant à l'aventure
et revenir au logis,
pour se trouver devant une porte fermée
(pauvre chat !)
miaulant avec rage
et désespoir.
je le laisse souffrir
car la souffrance a son prix,
et il le sait bien.

Quand j'ouvre la porte, il court vers moi
comme vole une femme aux bras de son amant.
Je l'attrape au collet et le caresse
d'un geste lent
très lentement,
du haut de la tête jusqu'au bout de la queue.
Il me regarde et sourit, moustaches érotiques,
les yeux mi-clos, en extase,
ronronnant.
J'en rajoute,
très lentement,
du haut de la tête jusqu'au bout de la queue.
Il serre les mâchoires,
ferme les yeux,
ouvre ses narines,
et gronde,
gronde, déliquescent,
Enlace-moi
et il s'endort.

Je n'ai pas de chat, mais si j'en avais un
qui lui ouvrirait la porte si je mourrais ?
________________

Otto Dix
Chat (1959)
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