Poema para Galileu


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Linhas de Força (1967) »»
 
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Poema para Galileu
Poème pour Galilée


Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha
 Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada
 Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della
 Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que
 um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas
 os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das
 estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou
 a vê-las –,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era
 tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua
 pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento,
 livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.

Ai Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste
 pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões
 de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.

Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer,
 homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
Je regarde ton portrait, mon vieux pisan,
ce portrait de toi que tout le monde connaît,
où ta belle tête s'épanouit et fleurit
sur une modeste collerette de tissu.
Ce portrait de la Galerie des Offices dans ta vieille
 Florence.
(Non, non, Galilée ! Je n'ai pas dit Saint-Office.
J'ai dit Galerie des Offices).
Ce portrait de la Galerie des Offices de l'exquise
 Florence.

Te souviens-tu ? Le Ponte Vecchio, la Loggia, la Piazza della
 Signoria...
Je sais... Je sais...
Les douces rives de l'Arno aux heures grises de la mélancolie.
Ah, quelle nostalgie, Galileo Galilei !

Regarde. Le sais-tu ? Là, dans Florence
un doigt de ta main droite est conservé dans un reliquaire.
Parole d'honneur que c'est vrai !
Comme le monde tourne !
Peut-être même y a-t-il des gens qui pensent
que tu es dans le calendrier.

Je voulais te remercier, Galilée,
de l'intelligence des choses que tu m'as données.
À moi,
et à combien de millions d'hommes comme moi
que tu as éclairés,
j'aurais jurer - quelle absurdité, Galilée !
- et je jurerais de tout mon cœur et de toute ma tête
sans la moindre hésitation -
que les corps tombent d'autant plus vite
qu'ils sont lourds.

N'est-ce pas évident, Galilée ?
Qui pourrait croire qu'un rocher tombe
à la même vitesse qu'un bouton de chemise ou qu'un galet
 sur la plage ?
C'est l'intelligence même que Dieu nous a donnée.

J'étais en train de me souvenir, Galilée,
de cette scène où tu étais assis sur un tabouret
et il y avait en face de toi
une flopée d'hommes doctes, debout, droit, en toge et cape
te regardant sévèrement.
Ils étaient tous à s'en prendre à toi,
qu'il semblait impossible qu'un homme de ton âge
et de ta condition
puisse devenir un danger
pour l'Humanité
et pour la Civilisation.
Toi, embarrassé et l'air troublé, tu te mordilles tes lèvres
 en silence,
tu parcourais, empli de pitié,
les visages impénétrables de cette lignée de sages.

Tes yeux, habitués à l'observation des satellites
 et les étoiles,
descendirent de leurs hauteurs
et se posèrent, comme des oiseaux étourdis - Je crois que
 je les vois encore -,
sur les visages gravides de ces créatures très révérencieuses.
Et tu as continué à dire oui à tout, oui, monsieur, que tout
 était pareil
à ce que souhaitaient leurs éminences,
et tu leur disais que le Soleil était de forme carré et la Lune
 pentagonale
et que les étoiles dansaient et entonnaient
à la mi-nuit des laudes à l'harmonie universelle.
Et tu as juré que tu ne répéterais jamais,
pas même à toi, dans la propre intimité de ta pensée,
 libre et calme,
ces abominables hérésies
que tu as enseigné et écrit
pour la damnation éternelle de ton âme.

Hélas, Galilée !
Ils ne se doutaient pas tes doctes juges, grands seigneurs
 de ce petit monde,
que même ainsi, recroquevillés, calés dans leurs chaises
 caquetoires,
ils couraient et roulaient dans l'espace
à une vitesse de trente kilomètres par seconde.

C'est toi qui savais, Galileo Galilei.
C'est pourquoi tes yeux avaient miséricorde,
c'est pourquoi ton cœur s'emplissait de pitié,
pitié pour les hommes qui n'ont pas besoin de souffrir,
 hommes chanceux
que Dieu a dispensé de rechercher la vérité.
C'est pourquoi, stoïque, sans broncher,
tu as résisté à toutes les tortures,
à toutes les angoisses, à tous les contretemps,
eux, cependant, depuis leurs hauteurs inaccessibles,
ils étaient en train de tomber,
tomber,
tomber,
tomber
tomber toujours,
et toujours,
sans interruption,
en raison inverse du carré des temps.
________________

Joseph Nicolas Robert Fleury
Galilée devant le Saint-Office (1847)

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