Enquanto


Nom:
 
Recueil:
 
Autre traduction:
António Gedeão »»
 
Linhas de Força (1967) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Enquanto
Tant et aussi longtemps


Enquanto houver um homem caído de bruços
 no passeio
E um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
Para ver quem é,
Enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
E correr pelos interstícios das pedras, pressuroso e vivo
 como vermelhas minhocas
Despertas;
Enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos
 como luas,
Órfãos de pais e mães,
Andarem acossados pelas ruas
Como matilhas de cães;
Enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
Com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito
 fremente,
Num silêncio de espanto
Rasgado pelo grito da sereia estridente;
Enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
Cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
Amassando na mesma lama de extermínio
Os ossos dos homens e as traves das suas casas;
Enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz
 por ser verdade,
Enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA
Tant qu'il y aura un homme gisant à plat ventre
 sur le trottoir
Et un sergent qui retourne son corps avec la pointe de son pied
Pour voir ce qu'il en est,
Tant que le sang gargouillera dans les artères ouvertes.
Et coulera dans les anfractuosités des pierres, empressé,
  vivant comme des vers rouges
Qu'on a réveillés ;
Tant que les enfants aux yeux livides, ronds comme
 des lunes,
Orphelins de père et mère,
Marcheront tourmentés par les rues
Comme des meutes de chiens ;
Tant que les oiseaux devront interrompre leur chant
Avec de pauvres petits cœurs sautant dans leur poitrine
 qui frémit,
Dans un silence d'étonnement
Déchiré par le cri strident d'une sirène ;
Tant que le grand oiseau de feu et d'aluminium
Couvrira le monde avec l'ombre brûlante de ses ailes
Et pétrira dans la même boue d'extermination
Les os des hommes et les poutres de leurs maisons ;
Tant et aussi longtemps que tout cela se produira, et ne sera
  pas tenu pour vrai,
Tant qu'il faudra se battre jusqu'au désespoir de l'agonie,
Le poète écrira avec du goudron sur les murs de la ville :
À BAS LE MYSTÈRE DE LA POÉSIE
________________

Medardo Rosso
Enfant à l'asile des pauvres (1892)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (433) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (13) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)