Visão (Nem céu nem terra...)


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Visão (Nem céu nem terra...)
Vision (Ni ciel, ni terre...)


Nem céu nem terra, só mar e luz,
Como asseveravam os prospectos,
E a solidão alta de uma mulher
À beira-mar. Não pensa em nada.
Dentro dela, só este mar e esta luz.
No hotel, tudo ficou na perfeita ordem
De gavetas pacificas, do armário,
Felizes os postais já escritos,
Tudo perfeito nas escalas e proporções,
A compostura resistiu ao verde hiperbólico
Do pequeno país tropical
Com dupla personalidade.
Não pensa em nada disso a mulher à beira-mar.
A sua calma converge para uma harmonia
Histriónica, ocultando uma desordem unânime
A cuja vontade responde o mar,
Com correntes que puxam a mulher,
Areias que vão traindo a serenidade.
Nada resiste à vontade maior clamando do largo
No dorso de um instante, a mulher cai,
Levada na onda silenciária,
Reconhecendo na areia turbilhonante,
Negra, a matéria última de dias, noites,
Um túnel até ao seu próprio pensamento,
Longínquo, tão ao largo.
E, no interior da onda, no dorso do instante,
Percebe que talvez não tenha agradecido tudo
E a sua vida surge-lhe necessária, mas ausente,
Não há ninguém, ninguém que a resgate.
Então furando a onda, desce a mão,
A mão que a puxa para cima,
Para o céu, para a terra,
Para onde a sua vida a espera,
De pé, à beira-mar.
Enquanto recobra o fôlego,
A mulher procura um rosto.
A quem agradecer a mão:
Olha à volta e não há ninguém.

Ni ciel ni terre, rien que mer et lumière,
Comme l'assuraient les prospectus,
Et la grande solitude d'une femme
Au bord de la mer. Elle ne pense à rien.
En elle seulement cette mer cette lumière.
A l'hôtel, tout était dans l'ordre parfait
Des tiroirs pacifiques, de l'armoire,
Des heureuses cartes postales déjà écrites,
Tout était parfait, à l'échelle, en proportions,
La composition avait résisté au vert hyperbolique
Du petit pays tropical
À la double personnalité.
Elle ne pense à rien de cela, la femme du bord de mer,
Son calme converge vers une harmonie
Histrionique, cachant un désarroi unanime
À la volonté duquel la mer répond,
Avec des chaînes qui tirent la femme,
Des sables qui vont trahissant la sérénité.
Rien ne résiste à la grande volonté qui clame au large.
Au bout d'un instant, la femme tombe,
Emporté par la vague imposant le silence,
Reconnaissant dans le sable noir
tourbillonnant, la matière ultime des jours, et des nuits,
Tunnel vers sa propre pensée,
Très loin, très au large.
Et, au-dedans de la vague, au dos de l'instant,
Elle s'aperçoit peut-être n'avoir pas toujours rendu grâce
Et sa vie lui apparaît nécessaire, mais absente,
Il n'y a personne, personne qui la rédime.
Alors perçant la vague, sa main descend,
Sa main qui la tire vers le haut,
Vers le ciel, vers la terre,
Où sa vie l'attend,
Debout au bord de la mer.
Pendant qu'elle reprend son souffle,
La femme cherche un visage.
Une main pour un merci :
Elle regarde alentour, il n'y a personne.

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Pierre Cécile Puvis de Chavannes
Femme en bord de mer (1887)
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