Eros Frenético


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Eros Frenético
Eros frénétique


Na noite absolutamente não se via nada na terra
e no céu um só satélite.

As máquinas dormiam.

Suas bocas caladas exalavam o cheiro acre do
combustível muito quieto aguardando as próximas
violentas combustões.

As máquinas repousavam suas válvulas escuras e os
lubrificantes cumpriam seu trabalho lento de estarem
ali nos interstícios da matéria sinóvia escorregadia
macia e totalmente aderente.

Eles estavam sentados em cadeiras e apoiavam seus
braços sobre o tampo da mesa placa de madeira que
assentava na extrema fragilidade das suas quatro
patas provisórias.

Eles estavam sentados em cadeiras placas de madeira
assentando em igualmente provisórias patas que
  singularmente
davam origem a uma excrescência vertical e
rendilhada uma espécie de cauda aberta rígida que
aqui se chamava singularmente costas.

Sobre o tampo da mesa eles apoiavam seus braços
mutação provisória das barbatanas peitorais que
tendo talvez passado pela fase da membrana alar eram
agora obsoletos meios de locomoção.

Suas pernas poisavam sobre o chão provisórias patas
muito bem arrumadas junto das patas das cadeiras e
o todo formava um curioso engenho de dezasseis
patas assentando na terra onde não se via nada porque
a noite estava absolutamente sem satélites e as
galáxias digo as gala áxias estavam todas com suas
cabeças escondidas debaixo das asas.

Todas as máquinas estavam dormindo o que é o mesmo
que dizer que estavam em seu ser aparente em seu
estar entretanto enquanto a entropia esperava
lambendo o focinho.

Eles estavam ali sentados em frente um do outro
e no silêncio dos xilemas do tampo da mesa alimentavam
a provisória vida dos seus corpos aparentes
cuja particularidade trágica consiste em não lhes
ser possível ocupar simultaneamente o mesmo espaço.

Seus corpos mecanicamente equivaliam os satélites
que certamente percorriam o espaço.

Seus motores internos tinham ali sido colocados
com o fim específico de darem notícia do que
  encontrassem
em sua trajectória no tempo espacial nunca esquecendo
que interesse significa distância.

O seu interesse era avaliar a distância que separa
todos os corpos e todas as coisas umas das outras
de modo que o espaço deixando de ser o incomensurável
pudesse tornar-se mensuravelmente fasto para as
interessadas trocas gasosas digo frenéticas
etimologicamente espirituais ou etéreas.

Eles estavam ali sentados em frente um do outro e
suas trocas gasosas se cumpriam regularmente.

Digo freneticamente.

Porque era de noite e como o processo da fotossíntese
estava suspenso em todos os organismos vegetais
havia sobre a terra uma exalação acre de dióxido de
carbono de todas as máquinas em seu trabalho
nocturno de repouso da luz.

Eles cumpriam seu ciclo evolutivo seu ciclo
do carbono que se acumulava brilhantemente negro nas
camadas mais fundas da terra onde as florestas agora
esperam o momento de voltarem a superfície em forma
de chama e renovarem seu ciclo evolutivo gráfico e
frenético.

Eles estavam ali aparentemente sentados em frente
um do outro e seus corações trabalhavam bem.

Seus ventres estremeciam regularmente aos movimentos
peristálticos das suas digestões e os seus milhares
de células abriam e fechavam suas ignoradas bocas.

Seu sangue percorria o mapa das veias sem nenhum
engano e tudo se passava absolutamente de uma forma
nocturna em que não se via nada.

Eles estavam ali como dois corpos porções delimitadas
de matéria frenética sentados em frente um do outro
e entre eles estava só a noite sob forma de espaço
onde não se via absolutamente nada enquanto a entropia
sacudia uma pata.

Eles estavam ali absolutamente suspensos de seus
corpos distintos na noite demasiado indistinta
das formas acabadas prontas para a consumação do fim
único absoluto da indistinção do espaço onde a
entropia é um animal incompleto a que falta tudo o
que está pra ser no oceano das partículas negativas
de toda a criação provisória.

Estavam em frente um do outro.

Sobre a mesa apoiavam seus braços.

Estendem agora suas mãos que se tocam e sente-se
uma pausa brusca no movimento da circulação da noite.

Alguma coisa se suspende instante para logo iniciar
um movimento rápido uma aceleração de válvulas de
combustíveis uma aceleração de bocas ingurgitadas
um entumescimento de fibras um tremor de
membranas.

Suas mãos agora juntas apertam-se convulsas seus
peitos se aproximam suas bocas entreabertas
projectam-se ao encontro do beijo em sua escuridão
húmida.

Seus corpos vão-se enleando
a mesa cai sobre o flanco.

Suas patas voltam-se emaranhadas nas patas
  das cadeiras
emaranhadas nas patas provisórias dos corpos caídos
sobre o flanco enquanto ressoa o trabalho nocturno
das ondas do oceano material correndo para a praia
de nunca haver limite para a voracidade de dois
corpos quererem ocupar o mesmo espaço dentro
da máquina do corpo do outro onde tudo é noite
e as línguas se confundem e os braços e as pernas
confundidos sobre o flanco escancarado dos corpos
freneticamente esquecidos da entropia que se prepara
para abrir a boca e dar uma gargalhada enorme
quando os corpos se encontram julgando perder a
propriedade mágica da coesão da matéria na vertigem
de entrarem no turbilhão do espaço totalmente ocupado
pelo hálito acre dos ilimites da grande máquina da noite.

Eles estão ali caídos sobre a terra sacudidos
pelo estertor do encontro e enquanto seus corpos
se confundem por dentro freneticamente devorando
dentro de cada um o espaço escuro da noite de vivermos
separados

Ergue-se a noite do seu leito de não se ver
absolutamente nada e de repente acordam todas as
máquinas e nesse instante

Eles estavam ali sentados apoiando seus braços
sobre o tampo da mesa

E eles estavam ali em frente um do outro
no silêncio da sua morte
ocupando diferentes espaços
Dans la nuit absolument rien ne se voyait sur la terre
et au ciel un seul satellite.

Les machines dormaient.

Leurs bouches silencieuses exhalaient l'odeur âcre du
combustible attendant avec une grande quiétude les prochaines
et violentes combustions.

Les machines reposaient leurs valves obscures et les
lubrifiants accomplissaient leur lent travail en étant
là dans les interstices de la matière synoviale glissante
molle et totalement adhérente.

Ils étaient assis sur des chaises et appuyaient leurs
bras dessus la table aux planches de bois que
soutenait l'extrême fragilité de leurs quatre
pattes de fortune.

Ils étaient assis sur des chaises en planches de bois
soutenues par des pattes également provisoires qui
  singulièrement
donnaient naissance à une excroissance verticale et
garnie de dentelles, sorte de queue ouverte rigide qu'
on appelait ici singulièrement dossier.

Sur le dessus de la table, ils appuyaient leurs bras
mutation provisoire des nageoires pectorales qui
ayant passé peut-être par le stade de membrane alaire étaient
désormais des moyens de locomotion obsolètes.

Leurs jambes reposaient sur le sol pattes provisoires
très bien disposées à côté des pattes des chaises et
le tout formait un curieux dispositif de seize
pattes s'appuyant sur la terre où l'on ne pouvait rien voir parce
que la nuit était absolument sans satellites et les
galaxies, c'est-à-dire les gala axis étaient toutes avec la
tête cachée sous leurs ailes.

Toutes les machines étaient endormies, ce qui revient à dire
qu'elles étaient dans leur être apparent dans leur
être pendant que l'entropie attendait
en se léchant le museau.

Ils étaient assis là, l'un en face de l'autre
et dans le silence des xylèmes, dessus la table ils nourrissaient
la vie provisoire de leurs corps apparents
dont la particularité tragique consiste dans le fait qu'il ne leur
est pas possible d'occuper simultanément le même espace.

Leurs corps mécaniquement correspondaient aux satellites
qui certainement parcouraient l'espace.

Leurs moteurs internes avaient été placés là
dans le but précis de donner des nouvelles de ce qu'ils
  rencontraient
sur leur trajectoire dans le temps spatial sans jamais oublier
que l'intérêt est synonyme de distance.

Son intérêt était d'évaluer la distance qui sépare
tous les corps et toutes les choses les unes des autres
afin que l'espace cessant d'être incommensurable
puisse devenir mesurablement petit pour les
intéressés échanges gazeux, c'est-à-dire frénétiques
étymologiquement spirituels ou éthérés.

Ils étaient assis l'un en face de l'autre et
leurs échanges gazeux s'accomplissaient régulièrement.

Je veux dire frénétiquement.

Parce que c'était la nuit et que le processus de photosynthèse
était suspendu dans tous les organismes végétaux
il y avait sur la terre une âcre exhalaison de dioxyde de
carbone provenant de toutes les machines en leur travail
nocturne de repos de la lumière.

Ils accomplissaient leur cycle d'évolution leur cycle
de carbone qui s'accumulait brillamment noir dans les
couches les plus profondes de la terre où les forêts maintenant
attendent le moment de revenir à la surface sous forme
de flamme et de renouveler leur cycle évolutif graphique et
frénétique.

Ils étaient assis là, apparemment l'un en face
de l'autre et leurs cœurs fonctionnaient bien.

Leurs ventres tressaillaient régulièrement aux mouvements
péristaltiques de leur digestion et leurs milliers
de cellules ouvraient et fermaient leurs bouches ignorées.

Leur sang parcourait la carte des veines sans aucune
erreur et tout se passait absolument d'une manière
nocturne dans laquelle on ne voyait rien.

Ils étaient là comme deux corps portions délimités
de matière frénétique assis en face l'un de l'autre
et entre eux il n'y avait que la nuit sous forme d'espace
où ne se voyait absolument rien alors que l'entropie
secouait sa patte.

Ils étaient là absolument suspendus à leurs
corps distincts dans la nuit trop indistincte
des formes achevées prêtes pour la consommation de la fin
unique absolue de l'indistinction de l'espace où l'
entropie est un animal incomplet auquel manque tout ce
qu'il faut pour être dans l'océan des particules négatives
de toute création provisoire.

Ils étaient en face l'un de l'autre.

Ils appuyaient leurs bras sur la table.

Ils étendent maintenant leurs mains qui se touchent et sentent
une brusque pause dans le mouvement de circulation de la nuit.

Quelque chose est suspendu pour un instant, puis commence
un mouvement rapide, une accélération de valves de
combustibles une accélération de bouches qui ingurgitent
une intumescence de fibres un tremblement de
membranes.

Maintenant leurs mains jointes se tendent convulsives leurs
poitrines se rapprochent leurs bouches entrouvertes
se projettent à la rencontre du baiser en son humide
obscurité.

Leurs corps vont s'enlacer
la table tombe sur le flanc.

Leurs pattes se tournent s'enchevêtrent dans les pattes
  des chaises
enchevêtrées dans les pattes provisoires des corps tombés
sur le flanc tandis que résonne le travail nocturne
des vagues de l'océan matériau se ruant sur la plage
sans jamais fixer de limite à la voracité de deux
corps voulant occuper le même espace à l'intérieur
de la machine du corps de l'autre où tout est nuit
et les langues se confondent et les bras et les jambes
confondues sur le flanc grand-ouvert des corps
frénétiquement oubliés de l'entropie qui se prépare
à ouvrir la bouche et à pousser un gargouillis énorme
lorsque les corps se trouvent jugeant avoir perdu la
propriété magique de la cohésion de la matière dans le vertige
de leur entrée dans le tourbillon de l'espace totalement occupé
par le souffle âcre des illimites de la grande machine de la nuit.

Ils sont là, tombés sur la terre secoués
par les râles de la rencontre et tandis que leurs corps
se confondent à l'intérieur frénétiquement dévorant
à l'intérieur de chacun l'espace obscure de la nuit d'êtres
vivants séparés.

La nuit se dresse hors de son lit où l'on ne voit
absolument rien et soudain s'éveillent toutes les
machines et dans l'instant.

Ils étaient assis là, appuyant leurs bras
sur le dessus de la table

Et ils étaient là, l'un en face de l'autre
dans le silence de leur mort
occupant différents espaces.
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Ana Hatherly
Autoportrait à la Füssli (1973)
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