O cágado


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
João Guimarães Rosa »»
 
Magma (1936-1997) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


O cágado
La tortue


Numa dobra da serra
há um minadouro,
uma bica,
e um poço azul.
E ali, na água redonda, pequenina e fria,
mora um cágado escafandrista,
filósofo pessimista,
que tem a mania de perseguição.

Quando o sol bate de cheio,
ele traz para fora a cuia emborcada,
e se aquece, aberto, em cima da laje,
chato, cascudo e feio.
Mas, se alguém pisa perto,
ele escorrega e pula, na água mansa
que explode e respinga.

Leva bom tempo
para assomar o focinho
de periscópio.
Mas, se é falso o alarma,
lá vem aflorando, levemente, à tona,
a concha remendada com fiapos de limo.
Depois, mais afoito,
o prudente reptil
passeia o dorso, convexo e abaulado,
como um “U-18”
da base de Kiel.

E o caipira guarda a vida do monstrengo
(Ai! meus pecados todos!…),
se o matarem, o olho d’água se evapora
(Ai! minha felicidade pequenina!…)
E o cágado, lento e pré-diluviano,
na cacimba da grota, espera outro Dilúvio…
Dans un repli de la montagne1
il y a une résurgence,
un bec
et un puits bleu.
Et là, dans les ronds d'une petite eau froide
vit une tortue scaphandrier,
pessimiste philosophe
ayant la manie de la persécution.

Quand le soleil bat son plein,
elle met à l'air sa coquille renversée,
et se réchauffe, ouverte sur la dalle,
terne, grossière et laide.
Mais si quelqu'un s'approche,
Elle glisse et saute, dans l'eau calme
qui explose et éclabousse.

Cela prend du temps
avant que son museau périscopique
émerge.
Mais si fausse était l'alarme
elle remonte, légèrement, à la surface,
sa coquille rapiécée par des filoches de vase.
Puis, avec plus de témérité,
le prudent reptile
promène son dos, convexe et bombé,
comme un "U-18"
de la base de Kiel.

Et la rustaude garde sa vie de monstre.
(Hélas ! tous mes péchés !...),
s'ils la tuent, la lentille d'eau s'évapore.
(Hélas ! mon petit bonheur !...)
Et la tortue, lente et pré-diluvienne...
dans la citerne de la grotte, attend un autre Déluge...
________________

Jean-Louis Jabalé
Tortue marine (2009)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (434) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (251) Reinaldo Ferreira (13) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)