A morte da água


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Homem de Palavra(s) (1969) »»
 
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A morte da água
La mort de l’eau


Um dos passeios que mais gosto de dar é ir a esposende
ver desaguar o cávado. Existe lá um bar apropriado para
isso. Um rio é a infância da água. As margens, o leito,
tudo a protege. Na foz é que há a aventura do mar
largo. Acabou-se qualquer possível árvore geneológica,
visível no anel do dedo. Acabou-se mesmo qualquer
passado. É o convívio com a distância, com o
incomensurável. É o anonimato. E a todo o momento há
água que se lança nessa aventura. Adeus margens
verdejantes, adeus pontes, adeus peixes conhecidos.
Agora é o mar salgado, a aventura sem retorno, nem
mesmo na maré cheia. E é em esposende que eu gosto
de assistir, durante horas, a troco de uma imperial, à
morte de um rio que envelheceu a romper pedras e
plantas, que lutou, que torneou obstáculos. Impossível
voltar atrás. Agora é a morte. Ou a vida.
L'une des balades que je préfère est d'aller à Esposende1
voir le flux des eaux du cávado. Il est un bar là-bas approprié
à cet effet. Un fleuve est l'enfance de l'eau. Les berges, le lit,
tout la protège. À l'embouchure, c'est le hasard de la haute
mer. S'y achève quelque possible arbre généalogique,
visible sur l'anneau du doigt. S'y achève même quelque
passé. C'est la convivialité avec la distance, avec l'
incommensurable. C'est l'anonymat. Et à tout moment, il y a
l'eau qui s'élance dans cette aventure. Adieu rivages
verdoyants adieu ponts, adieu poissons connus.
Maintenant c'est la mer salée, l'aventure sans retour, pas
même à marée haute. Et c'est à esposende que j'aime
assister, pendant des heures, en échange d'une Impérial, à
la mort d'un fleuve qui a vieilli, brisant pierres et
plantes, qui a lutté, qui a contourné des obstacles. Impossible
de faire demi-tour. Maintenant, c'est la mort. Ou la vie.
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Carlo Carrà
Embouchure du fleuve Cinquale (1928)
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