O açúcar


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Ferreira Gullar »»
 
Toda poesia (1980) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


O açúcar
Le sucre


O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina
e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.

Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há
hospital nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga e dura
produziram este açúcar branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Le sucre blanc qui va radoucir mon café
en ce matin d'Ipanema
n'a pas été produit par moi
ni n'est apparu par miracle dans le sucrier.

Je vois qu'il est pur
et agréable au palais
comme le baiser d'une fille, de l'eau
sur la peau, une fleur
qui se dissout dans la bouche. Mais ce sucre
n'a pas été fait par moi.

Ce sucre est venu
de l'épicerie du coin
Mais Oliveira, le patron d'icelle
ne l'a pas fait non plus

Ce sucre est venu
d'une sucrerie à Pernambuco
ou de l'État de Rio
et la sucrerie non plus ne l'a pas fait.

Ce sucre est de canne
et il vient de ces vastes plantations
qui ne sont pas nés par hasard
dans le giron de la vallée.

Dans ces lieux éloignés, où il n'y a
ni hôpital ni école,
des hommes qui ne savent ni lire ni mourir
à vingt-sept ans
planteront et récolteront la canne
qui se transformera en sucre.

Dans l'obscurité des usines,
des hommes à la vie amère et dure
produiront ce sucre blanc et pur
qui viendra adoucir mon café en ce matin d'Ipanema.

________________

Meret Oppenheim
Le déjeuner en fourrure (1936)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (434) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (251) Reinaldo Ferreira (20) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)