Chopin: Um inventário


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Jorge de Sena »»
 
Arte de Música (1968) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Chopin: Um inventário
Chopin: Un inventaire


Quase sessenta mazurcas; cerca de trinta estudos;
duas dúzias de prelúdios; uma vintena de nocturnos;
umas quinze valsas; mais de uma dúzia de “polonaises”;
“scherzos”, improvisos, e baladas, quatro de cada;
três sonatas para piano; e dois concertos para piano
 e orquestra,
uma “berceuse”, uma barcarola, uma fantasia, uma
 tarantela, etc.,
além de umas dezassete canções para canto e piano; uma
 tuberculose mortal;
um talento de concertista; muitos sucessos mundanos; uma
 paixão infeliz;
uma ligação célebre com mulher ilustre; outras ligações
 sortidas;
uma pátria sem fronteiras seguras nem independência
 concreta;
a Europa francesa do Romantismo; várias amizades com
 homens eminentes;
e apenas trinta e nove anos de vida. Outros viveram menos,
 escreveram mais,
comeram mais amargo o classicamente amargo pão do
 exílio, foram ignorados
ou combatidos, morreram abandonados, não se passearam
 nas alcovas
ou nos salões da glória, confinaram-se menos ao
 instrumento que melhor dominavam,
e mesmo foram mais apátridas sofrendo de uma pátria que
 não haja.
Além disso, quase todos escaparam mais à possibilidade
 repelente
de ser melodia das virgens, ritmo dos castrados,
requebro de meia-tijela, nostalgia dos analfabetos,
e outras coisas medíocres e mesquinhas da vulgaridade,
 como ele não. Ou de ser
prato de não-resistência para os concertistas que tocam
 para as pessoas que julgam
que gostam de música mas não gostam. Ainda por cima
era um arrivista, um pedante convencido da aristocracia que
 não tinha,
um reaccionário ansiando por revoluções que libertassem
 as oligarquias
da Polónia, coitadinhas, e outras. E, para cúmulo,
a gente começa a desconfiar de que não era sequer
 um romântico,
pelo menos da maneira que ele fingiu ser e deixou entender
 que era.
Uma arte de compor a música como quem escreve
 um poema,
a força que se disfarça em languidez, um ar de inspiração
ocultando a estrutura, uma melancolia harmónica por sobre
a ironia melódica (ou o contrário), a magia dos ritmos
usada para esconder o pensamento – e escondê-lo tanto,
que ainda passa por burro de génio este homem que tinha
 o pensamento nos dedos,
e cuja audácia usava a máscara do sentimento ou das
 formas livres
para criar-se a si mesmo. Tão hábil na sua cozinha, que
 pode servir-se
morno, às horas da saudade e da amargura,
quente, nas grandes ocasiões da vida triunfal,
e frio, quando só a música dirá o desespero vácuo
de ser-se piano e nada mais no mundo.

Près de soixante mazurkas ; environ trente d'études ;
deux douzaines de préludes ; une vingtaine de nocturnes ;
une quinzaine de valses ; plus d'une douzaine de "polonaises" ;
des "scherzos", improvisations, et ballades, quatre de chaque ;
trois sonates pour piano, et deux concertos pour piano
 et orchestre,
une "berceuse", une barcarole, une fantaisie,
 une tarentelle, etc.,
par ailleurs, quelques dix-sept chansons pour chant et piano,
 une tuberculose mortelle ;
un talent de concertiste ; nombre de succès mondains ;
 une passion malheureuse ;
une liaison célèbre avec une femme illustre ; d'autres,
 assorties ;
une patrie sans frontières sûres ni indépendance
 concrète ;
l'Europe française du Romantisme ; diverses amitiés avec
 des hommes éminents ;
et tout juste trente neuf années de vie. D'autres ont moins vécu,
 et plus écrit,
ont mangé plus amer le pain classiquement amer de l'exil,
 ont été ignorés
ou combattus, sont morts abandonnés, ne sont pas passés
 par l'alcôve
ou les salons de la gloire, se limitant moins à l'instrument
 qu'ils maitrisaient le mieux,
et même ont été plus apatrides souffrant d'une patrie
 qui n'existe pas
En outre, presque tous échappèrent à la possibilité
 écœurante
d'être mélodie des vierges, rythme des castrés,
roulade bas-de-gamme, nostalgie des analphabètes,
et autres choses médiocres et mesquines de vulgarité, alors
 que lui, non. Ou d'être
plat de non-résistance des concertistes qui jouent pour des
 gens qui pensent aimer
la musique alors qu'ils ne l'aiment pas. Et par là-dessus,
un arriviste, un pédant convaincu d'être l'aristocrate
 qu'il n'était pas,
un réactionnaire aspirant à des révolutions qui libèreraient
 les oligarchies
de Pologne, pauvresses, et autres. Et, pour couronner le tout,
on commença à soupçonner qu'il n'était même pas
 un romantique,
du moins tel qu'il prétendait l'être et laissait entendre
 qu'il l'était.
Un art de composer sa musique comme on écrit
 un poème,
la force qui se déguise en langueur, un air inspiré
masquant la structure, une mélancolie harmonique surplombant
l'ironie mélodique (ou le contraire), la magie des rythmes
utilisée pour cacher la pensée - et la cacher tellement,
qu'il passe encore pour un âne de génie, cet homme qui avait
 sa pensée dans les doigts,
et dont l'audace usait du masque des sentiments,
 des formes libres,
pour se créer lui-même. Si habile en sa cuisine,
 qu'elle pouvait être servie
tiède, aux heures de nostalgie et d'amertume,
chaude, aux grandes occasions de la vie triomphante,
et froide, quand seule la musique peut dire le vide du désespoir
d'être un piano et rien d'autre au monde.

________________

Henryk Siemiradzki
Chopin joue du piano pour le Prince Radziwill (1887)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (10) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)