La dame à la licorne


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Jorge de Sena »»
 
Peregrinatio ad loca infecta (1969) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


La dame à la licorne
La dame à la licorne


Dona Semifofa erguendo o dedo
mindinho arqueado em asa sobre a asa da
chávena (ou xícara) disse: –
– Eu sempre soube que poetas não
são gente em quem confie uma senhora –
e num sorvinho delicado rematou
a mágoa de cinquenta primaveras.
O licorne, num doce balançar do chifre esguio,
gravemente assentiu,
um pouco perturbado
pela insistência obnóxia e recatada
com que a discreta dama confundia,
ou mais que a dama os olhos vagos dela,
o chifre legendário e o metafórico
que de entre as pernas longo lhe descia
ou já de perturbado não pendia.

Torcendo as ancas disfarçadamente
para encobrir das vistas semifofas
essa homenagem à inocência delas
(como o cavalheiro que pousando a mão
assim se esconde em pudicícia o quanto
não esconda muito mais que a discrição obriga),
D. Gil cofiou a capriforme pêra
e de soslaio viu que Dona Semifofa
do branco em ferro assento resvalava
para a verdura em que as florinhas eram
de cores variegadas, salpicantes.
D. Gil era o licorne, e disse com voz cava:
– Mas eu também, minha senhora, nunca
acreditei que de confiança eles fossem.
Se acreditasse, como não teria
a mágoa imensa de não ser centauro? –

No chão, erguendo as pernas, Semifofa uivou:
– Centauro, para quê? Não há centauros.
Licornes, sim, D. Gil, vinde a meus braços.

Dame Semifofa levant son petit
doigt arqué en aile au-dessus de l'anse
de la tasse de café (ou de thé) dit : –
– J'ai toujours su que les poètes ne sont pas
gens à qui une dame peut faire confiance –
et elle paracheva d'une petite gorgée délicate
le chagrin de cinquante printemps.
La licorne, en un doux balancement de corne effilée
gravement acquiesça,
un peu perturbée
par l'insistance odieuse et circonspecte
avec laquelle la dame discrète confondait,
ou plus que la dame, le regard vague de celle-ci,
la corne légendaire avec celle, métaphorique
qui entre ses jambes longuement descendait
ou déjà dans tous ses états ne pendait plus.

En se tordant les hanches à la dérobée
pour dissimuler des vues semifofiennes
cet hommage à leur innocence
(comme le cavalier qui, posant ainsi sa main,
se dissimule par pudeur, sans cacher
beaucoup plus que ce à quoi l'oblige la discrétion),
D. Gil caressait sa poire capriforme
et, de guingois, vit que Dame Semifofa
de son siège en fer blanc dérapait
dans la verdure où les fleurettes étaient
mouchetées de couleurs bigarrées.
D.Gil était la licorne, et dit d'une voix grave :
– Mais moi aussi, madame, je n'ai jamais
cru qu'ils fussent dignes de confiance.
Si je l'avais cru, comment n'aurais-je pas eu
l'immense chagrin de ne pas être un centaure ? –

Sur le sol, levant ses jambes, Semifofa hurla :
– Centaure, pour quoi faire ? Il n'y a pas de centaures.
Des licornes, oui. D. Gil, venez dans mes bras.

________________

La dame à la licorne (tapisserie)
Cluny, Musée National du Moyen-âge
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (3) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)