Canto da chávena de chá


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Canto da chávena de chá
Chant de la tasse de thé


Poisamos as mãos junto da chávena
sem saber que a porcelana e o osso
são formas próximas da mesma substância.
A minha mão e a chávena nacarada
– se eu temperar o lirismo com a ironia –
são, ainda, familiares dos pterossáurios.
A tranquila tarde enche as vidraças.
A água escorre da bica com ruído,
os melros espiam-me na latada seca.
É assim que muitas vezes o chá evoca:
a minha mão de pedra, tarde serena,
olhar dos melros, som leve da bica.
A Natureza copia esta pintura
do fim da tarde que para mim pintei,
retribui-me os poemas que eu lhe fiz
de novo dando-me os meus versos ao vivo.
Como se eu merecesse esta paisagem
a Natureza dá-me o que lhe dei.
No entanto algures, num poema, ouvi
rodarem as roldanas do cenário,
em que as palavras representavam
a cena da pintura da paisagem
num telão constantemente vário.
Só o chá me traz a minha tarde,
com a chávena e a minha mão que são
o mesmo pedaço de calcário.
Hoje a bica refresca a água do tanque,
os melros descem da latada para o chão,
e as vidraças devagar escurecem.
As palavras movem-se e repõem
no seu imóvel eixo de rotação
o espaço onde esta mesa de verga
gira nas grandes nebulosas.

Nous accolons nos mains contre la tasse
sans savoir que la porcelaine et l'os
sont des formes proches de la même substance.
Ma main et la tasse nacrée
– si je tempère mon lyrisme d'ironie –
sont également familières des ptérosauriens.
L'après-midi tranquille emplit les vitres.
L'eau s'écoule du bec avec bruit,
les merles m'épient depuis la treille asséchée.
Souvent,c'est ainsi que le thé évoque :
ma main de pierre, un après-midi serein,
l’œil des merles, le bruit léger du bec.
La Nature copie ce tableau
d'une fin d'après-midi que j'ai peint pour moi,
Me rétribue par les poèmes que je lui faits
me donnant de nouveau mes vers pleins de vie.
Comme si je méritais ce paysage
La nature me donne ce que je lui ai donné.
Cependant, ailleurs dans un poème, j'ai entendu
tourner les poulies de la machinerie scénique,
dans laquelle les mots représentaient
la scène de peinture d'un paysage
sur les pans du rideau constamment varié.
Seul le thé m'apporte mon après-midi,
avec la tasse et ma main qui sont
la même portion de calcaire.
Aujourd'hui, le bec rafraîchit l'eau de la vasque,
les merles descendent depuis la treille jusqu'au sol,
et les vitres s'assombrissent lentement.
Les mots se meuvent et réinventent
sur leur axe immobile de rotation
l'espace où cette table en osier
tourne parmi les grandes nébuleuses.

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Carlo Benvenuto
Sans titre (2002)
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