O bucolismo deixará de ser um canto


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Fiama Hasse Pais Brandão »»
 
Cenas vivas (2000) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


O bucolismo deixará de ser um canto
Et le chant cessera d'être bucolique


Sempre vivi à beira da paisagem,
pensando-a como ser, vendo-a,
chamando-a para mim, na minha íris.
Reflectida, a paisagem estava
sempre em mim, nos olhos, na boca
com uma história no tempo, hora a hora.
Benigna ou mortal, era ela própria,
era mundo, antigo e breve, terrestre,
leito de homens, para viver pascendo
ou para morrer, como ela mesma era
morta e transformada eternamente.
E acreditei que só, para sempre,
o latejar natural dos astros, do ar,
das águas, da terra, a manteriam
entregada a mim, à minha beira,
tal como estava desde o nascimento.
Mas hoje sei que os homens insanos,
em vez de amarem o corpo da matéria
no olhar e na fragrância das paisagens,
o depredaram, como se apenas
nos quisessem deixar de herança o mundo vivo
dos monstros vindos da nossa antiga pátria, a Grécia.
O grande Minotauro hoje chama-se Chernobyl,
demiurgo que expele um hálito
que gera crias das bestas e dos homens
oposto ao antigo sopro do Génesis; que gera
criaturas como se meramente simulasse
a vida. E a paisagem torna-se aparência,
somente simulacro e armadilha,
e o bucolismo deixará de ser um canto,
pois a flauta cala o seu trilo de esperança.

J'ai toujours vécu auprès du paysage,
à le penser comme un être, à le voir,
et l'appeler à moi, dans mon iris.
Reflété, le paysage a toujours été
en moi, dans mes yeux, ma bouche
avec une histoire au fil du temps, jour après jour.
Bénin ou mortel, il est lui-même, il est
monde, antique ou éphémère, terrestre,
lit des hommes qui vivent pour se repaître
ou pour mourir, comme lui-même est
mort et se transforme éternellement.
Et je croyais que seul, pour toujours,
la palpitation naturelle des astres, de l'air,
des eaux, de la terre, le maintiendrait
abandonné auprès de moi, à mes côtés,
tel qu'il était depuis ma naissance. Mais je sais
aujourd'hui, que les hommes insensés,
au lieu d'aimer le corps de la matière
dans le regard et le parfum des paysages,
l'ont déprécié, comme s'il ne voulait
nous laisser que l'héritage du monde vivant
des monstres venus de notre antique patrie, la Grèce.
Le Grand Minotaure, aujourd'hui s'appelle Tchernobyl,
démiurge qui expulse une haleine
qui engendre une progéniture de bêtes et d'hommes
opposée au souffle ancien de la Genèse,qui engendre
des créatures comme s'il ne s'agissait que de simuler
la vie. Et le paysage devient une apparence,
piège et simulacre seulement,
et le chant cessera d'être bucolique
car la flûte se tait avec ses trilles d'espoir.

________________

Enrico Baj
Personnage hurlant (1964)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (19) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (429) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (248) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)