Death is a drummer


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Manuel de Freitas »»
 
[SIC] (2002) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Death is a drummer
Death is a drummer


          para o Carlos Alberto Machado

Não há nada a fazer: domingos. Espesso,
demasiado claro, o silêncio tomba
sobre as ruas da cidade - e Junho
é um mês difícil, digam o que disserem
os ingleses e os poetas promovidos
pela cruel certeza de Abril. Junho,
ao domingo: no meu bairro fecharam
as lojas, as mercearias e os restaurantes.
Aberta, no entanto, a agência funerária,
mesmo em frente à casa de um poeta
amigo. E as tabernas que sobrevivem
- calçada dos Mestres n.º 44,
rua de Campolide n.º 82 - com
seus restos de tristeza, serradura e óleo.

Os santos (populares) repousam hoje
nos meus ombros terminais.
Nenhum trânsito, parcos transeuntes
hesitam em poluir a minha solidão
retórica. Um fado suspenso,
dir-se-ia, o bolor que devagar se forma
em volta de um manjerico falso.

Na porta da oficina de automóveis
uma cruz de cinza fotocopiada
justifica o ócio, a urgência de uma farda
já sem manchas de óleo (mas antes fumo
e gravata). Sim, a morte. Haverá
outro assunto? Tão óbvias sempre, e
mais próximas, as carícias com que chega
ao rosto que estamos a deixar de ter.

Sem sinos nem gritos de amor
bem temperado, ouve-se na tarde
apenas o rumor íntimo e distante
de um tambor que nos chama,
incessantemente. E os poemas,
os poemas todos, lhe obedecem.

Para que seja domingo sobre a terra
que pesada e fria nos esquece,
nos esqueceu já.
   pour Carlos Alberto Machado

Rien à faire les dimanches. Épais,
trop clair, le silence tombe
sur les rues de la ville - et juin
est un mois difficile, quoi qu'en disent
les anglais et les poètes promus
par la certitude cruelle d'avril. Juin,
le dimanche : les magasins, les épiceries,
les restaurants de mon quartier sont fermés.
Ouvert est, cependant, la maison funéraire,
juste en face de celle de mon ami
poète. Et les tavernes survivent
- allée des Maîtres n° 44,
rue de Campolide n° 82 - avec
un zeste de chagrin, de sciure et d'huile.

Les saints (populaires) reposent aujourd'hui
sur le terminal de mes épaules.
Aucune circulation, de maigres passants
hésitent à polluer ma solitude
rhétorique. Un fado suspendu,
dont on dirait qu'il est la moisissure qui se forme
lentement autour d'un faux basilic.

Au-dessus de la porte du garage automobile,
une croix de cendre photocopiée
justifie l'oisiveté, l'urgence d'une combinaison
sans plus les taches d'huile (mais avant cravate
et fumée). Oui, la mort. Y a-t-il
un autre sujet ? Toujours aussi évidente, et
plus proche, la caresse touchant
le visage que nous n'avons plus.


Sans cloches ni cris d'amour
bien tempéré, le soir on n'entend plus
que la rumeur intime et lointaine
d'un tambour qui sans cesse
nous appelle Et les poèmes,
tous les poèmes, lui obéissent.

Pour que ce soit dimanche sur la terre
que pesanteur et froideur nous oublient,
nous ait déjà oubliés.
________________

Fra Angelico
Ange au tambourin (1433)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (434) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (251) Reinaldo Ferreira (18) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)