Grande Hotel de Paris, Quarto 312


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Manuel de Freitas »»
 
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Grande Hotel de Paris, Quarto 312
Grand Hôtel de Paris, Chambre 312


  à memória de Jorge de Sena
 
Um amigo meu disse-me para nunca
meter gaivotas num poema.
O que seria fácil noutra cidade qualquer,
onde o ruído do seu voo não acompanhasse
tão de perto a minha insónia, a vaga
inquietação do teu corpo adormecido.
 
Alastra da Sé aos Clérigos, um alarme branco
que a janela deste quarto aceita há mais de
duzentos anos. Serão outras as gaivotas
e as cabeças que, depois de muito ou nenhum
sexo, se rendem ao limbo brasonado dos lençóis.
Mas eu vim para a casa de banho escrever
este poema simples, cheio de versos inúteis,
que me exige as horas que não tenho.
 
Sem ele, teria sido um dia grácil e ligeiro
como a morte, duro e inaceitável
como a vida. Pois consegui, antes destes
adjectivos todos, comprar o belo e o sublime
por menos de oito euros. E o livro que Jorge
de Sena dedica sem gaivotas, «à cidade do Porto».
 
Deveria ser fácil como um beijo, este poema.
Mas não. Chegamos à janela e só vemos
lixo, prédios devolutos, uma coroa
de terra a esboroar-se.
      E invejamos,
das gaivotas, a pungente desrazão do voo,
essa alegria de não ter palavras
sob o céu limpo que nos mata.
   à la mémoire de Jorge de Sena

Un de mes amis m'a dit de ne jamais
mettre de mouettes dans un poème.
Ce qui serait facile dans toute autre ville,
où le bruit de leur vol n'accompagnerait pas,
si proche de mes insomnies, la vague
inquiétude de ton corps endormi.

Se répand de l'Église aux Clercs, une blanche alarme
que la fenêtre de cette chambre accueille depuis plus
de deux cents ans. Il y aura d'autres mouettes
et des têtes qui, après beaucoup de sexe ou non,
s'abandonnent aux limbes armoriés des draps.
Mais je suis venu dans la salle de bain pour écrire
ce simple poème, plein de vers inutiles,
qui exige de ma part des heures que je n'ai pas.

Sans lui, j'aurai vécu un jour léger et gracile
comme la mort, dure et inacceptable
comme la vie. Car je pouvais, avant tout ces
adjectifs, acheter le beau et le sublime
pour moins de huit euros. Et le livre que Jorge
de Sena dédicace, sans les mouettes, « à la ville de Porto ».

Il devrait être facile comme un baiser, ce poème.
Mais non. Nous nous approchons de la fenêtre et tout
ce que l'on voit ce sont des ordures, des bâtiments
vides, une couronne de la terre qui s'effrite.
      Et nous envions,
des mouettes, la poignante déraison du vol,
cette joie de rester sans un mot
sous le ciel limpide qui nous tue.
________________

Jan Mulder
Couple à la fenêtre (1930-1931)
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