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Europa - V
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Europe - V
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A música era linda...
vinha do rádio, meiga, mansa,
macia como um corpo quente de mulher...
era doce, cariciosa e lânguida...
Mas eu tinha ainda nos ouvidos,
como um clamor de milhões de bocas:
“No campo de concentração hoje ocupado pelas
nossas tropas
os alemães queimaram milhares de vivos num forno
crematório...
Nas cubatas, os mortos misturavam-se com
os moribundos...
O sargento S.S. não pôde recordar quantos homens
tinha morto...
Os mortos apodrecem aos montes, e os vivos
arrancam-lhes as roupas
para as fogueiras em que ao lado se aquecem...
EM MUITOS CADÁVERES ENCONTROU-SE UM CORTE
LONGITUDINAL:
ERAM OS VIVOS QUE TINHAM TIRADO AOS MORTOS
O FÍGADO
E OS RINS PARA COMER,
A ÚNICA CARNE QUE AINDA RESTAVA
NOS CADÁVARES...”
E lembro-me de repente dum filme muito antigo
Em que o criminoso perguntava:
“De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire?”
e nos seus olhos lia-se o pavor
de quem vi um abismo e não lhe sabe o fundo...
De quoi est fait un homme? De que são feitos os homens
que queimaram vivos outros homens? Que tinham
centos de crianças
a morrer de fome e pavor, escravos como os pais?
que matavam ou deixavam morrer homens aos milhões,
que os faziam descer ao mais fundo
da degradação,
torturados, esfomeados, feitos chaga e esqueleto?
Eram esses mesmos homens
que faziam pouco da liberdade,
que vinham salvar o mundo da desordem,
que vinham ensinar a ORDEM ao planeta!
Sim, que traziam a paz com as grades das prisões,
a ordem com as câmara de tortura...
E depois a música vem, cariciosa e lenta,
a julgar que apaga a ignomínia que lançaram sobre
a terra!
A julgar que esqueceremos a abjecção dos
que sonharam
apagar da terra a insubmissão do homem livre!
Não - nem cárceres, nem deportações, nem represálias,
nem torturas
acabarão jamais com a insubmissão do homem livre,
do homem livre nas cadeias, cantando nas torturas,
porque vê diante de si os irmãos que estão lutando,
que hão-se-cair, para outros sempre se erguerem,
clamando em vozes sempre novas
QUE O HOMEM NÃO SE HÁ-DE SUBMETER À VIOLÊNCIA!
Homens sem partido e de todos os partidos,
que nasceram com a revolta porque não lhes vale de
nada viver para serem escravos,
homens sem partido e de todos os partidos —,
menos todos quantos
só sabem dizer ORDEM! e clamar VIOLÊNCIA!
os que pedem sangue porque são sanguinários, sim,
mas também todos os que nunca souberam querer nada,
os que dizem “Não é possível que se torturem
os presos políticos”,
os que não podem acreditar
porque não querem ser incomodados pela pestilência
dos crimes cometidos para eles
— para eles continuarem a acreditar que a ORDEM
não é apenas a mordaça
sobre as bocas livres que hão-de gritar até ao fim do mundo
QUE SÓ O HOMEM LIVRE É DIGNO DE SER HOMEM!
vinha do rádio, meiga, mansa,
macia como um corpo quente de mulher...
era doce, cariciosa e lânguida...
Mas eu tinha ainda nos ouvidos,
como um clamor de milhões de bocas:
“No campo de concentração hoje ocupado pelas
nossas tropas
os alemães queimaram milhares de vivos num forno
crematório...
Nas cubatas, os mortos misturavam-se com
os moribundos...
O sargento S.S. não pôde recordar quantos homens
tinha morto...
Os mortos apodrecem aos montes, e os vivos
arrancam-lhes as roupas
para as fogueiras em que ao lado se aquecem...
EM MUITOS CADÁVERES ENCONTROU-SE UM CORTE
LONGITUDINAL:
ERAM OS VIVOS QUE TINHAM TIRADO AOS MORTOS
O FÍGADO
E OS RINS PARA COMER,
A ÚNICA CARNE QUE AINDA RESTAVA
NOS CADÁVARES...”
E lembro-me de repente dum filme muito antigo
Em que o criminoso perguntava:
“De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire?”
e nos seus olhos lia-se o pavor
de quem vi um abismo e não lhe sabe o fundo...
De quoi est fait un homme? De que são feitos os homens
que queimaram vivos outros homens? Que tinham
centos de crianças
a morrer de fome e pavor, escravos como os pais?
que matavam ou deixavam morrer homens aos milhões,
que os faziam descer ao mais fundo
da degradação,
torturados, esfomeados, feitos chaga e esqueleto?
Eram esses mesmos homens
que faziam pouco da liberdade,
que vinham salvar o mundo da desordem,
que vinham ensinar a ORDEM ao planeta!
Sim, que traziam a paz com as grades das prisões,
a ordem com as câmara de tortura...
E depois a música vem, cariciosa e lenta,
a julgar que apaga a ignomínia que lançaram sobre
a terra!
A julgar que esqueceremos a abjecção dos
que sonharam
apagar da terra a insubmissão do homem livre!
Não - nem cárceres, nem deportações, nem represálias,
nem torturas
acabarão jamais com a insubmissão do homem livre,
do homem livre nas cadeias, cantando nas torturas,
porque vê diante de si os irmãos que estão lutando,
que hão-se-cair, para outros sempre se erguerem,
clamando em vozes sempre novas
QUE O HOMEM NÃO SE HÁ-DE SUBMETER À VIOLÊNCIA!
Homens sem partido e de todos os partidos,
que nasceram com a revolta porque não lhes vale de
nada viver para serem escravos,
homens sem partido e de todos os partidos —,
menos todos quantos
só sabem dizer ORDEM! e clamar VIOLÊNCIA!
os que pedem sangue porque são sanguinários, sim,
mas também todos os que nunca souberam querer nada,
os que dizem “Não é possível que se torturem
os presos políticos”,
os que não podem acreditar
porque não querem ser incomodados pela pestilência
dos crimes cometidos para eles
— para eles continuarem a acreditar que a ORDEM
não é apenas a mordaça
sobre as bocas livres que hão-de gritar até ao fim do mundo
QUE SÓ O HOMEM LIVRE É DIGNO DE SER HOMEM!
La musique était belle...
elle venait de la radio, aimable, tendre,
lisse comme le corps chaud d'une femme...
elle était douce, caressante et languide...
Mais j'avais encore dans les oreilles,
comme une clameur de millions de bouches:
« Dans le camp de concentration aujourd'hui occupé par
nos troupes
les Allemands ont brûlé des milliers de vies dans un four
crématoire...
Dans les casemates, les morts se mêlaient
aux moribonds...
Le sergent S.S. ne se souvenait combien d'hommes
il avait tués...
Les morts pourrissaient en masse, et les vivants
déchiraient leurs vêtements
pour alimenter les feux près desquels ils se réchauffaient...
SUR BEAUCOUP DE CADAVRES ON TROUVAIT UNE
COUPURE LONGITUDINALE :
C’ÉTAIT LES VIVANTS QUI AVAIENT RETIRÉ AUX MORTS
LE FOIE
ET LES REINS POUR LES MANGER :
SEULE CHAIR QUI RESTAIT ENCORE
SUR LES CADAVRES... »
Et je me souviens soudainement d'un film très ancien
dans lequel le criminel demandait :
« De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire ?
Et dans ses yeux on lisait la peur
de ceux qui voient un abîme et n'en connaissent pas le fond...
De quoi est fait un homme ? De quoi sont faits les hommes
qui ont brûlé vifs d'autres hommes ? Qui ont fait mourir
des centaines d'enfants
de faim et de peur, esclaves comme leurs parents ?
qui ont tué ou laissé mourir des hommes par millions,
qui les faisaient descendre jusqu'au fond
de la dégradation,
torturés, affamés, réduits à l'état de plaie et de squelette ?
C'était ces mêmes hommes
qui faisaient peu de cas de la liberté,
qui venaient sauver le monde du désordre,
qui venaient enseigner L'ORDRE à la planète !
Oui, qui apportaient la paix avec les barreaux des prisons,
l'ordre avec les chambres de torture ...
Et puis la musique arrive, lente et caressante,
qui prétend éteindre l'ignominie qu'ils ont jetée
sur la terre !
Qui prétend nous faire oublier l'abjection de ceux
qui rêvaient
d'effacer de la terre l'insoumission de l'homme libre !
Non – ni prisons, ni déportations, ni représailles, ni tortures
ne mettront jamais fin à l'insoumission de l'homme libre,
de l'homme libre dans les chaines, chantant
sous la torture,
car il voit devant lui ses frères qui se sont battus,
et qui-sont-tombés, afin que toujours d'autres se dressent,
criant avec des voix toujours nouvelles
QUE L'HOMME NE SE SOUMETTRA PAS À LA VIOLENCE !
Hommes sans parti et de tous les partis,
qui sont nés avec la révolte parce qu'il ne vaut pas
la peine de vivre si l'on est esclave,
hommes sans parti et de tous les partis –,
à l'exception de ceux
qui ne savent dire que ORDRE ! et proclament la VIOLENCE !
ceux qui réclament du sang parce qu'ils sont sanguinaires, oui,
mais aussi tous ceux qui n'ont jamais rien voulu savoir,
disant « Il est impossible que soient torturés
les prisonniers politiques »,
ceux qui ne peuvent pas y croire
car ils ne veulent pas être incommodés par la pestilence
des crimes commis en leur nom
– pour qu'ils puisse continuer de croire que l'ORDRE
n'est rien que le bâillon
sur les bouches libres qui-vont-hurler jusqu'à la fin du monde
QUE SEUL L'HOMME LIBRE EST DIGNE D'ÊTRE HOMME !
elle venait de la radio, aimable, tendre,
lisse comme le corps chaud d'une femme...
elle était douce, caressante et languide...
Mais j'avais encore dans les oreilles,
comme une clameur de millions de bouches:
« Dans le camp de concentration aujourd'hui occupé par
nos troupes
les Allemands ont brûlé des milliers de vies dans un four
crématoire...
Dans les casemates, les morts se mêlaient
aux moribonds...
Le sergent S.S. ne se souvenait combien d'hommes
il avait tués...
Les morts pourrissaient en masse, et les vivants
déchiraient leurs vêtements
pour alimenter les feux près desquels ils se réchauffaient...
SUR BEAUCOUP DE CADAVRES ON TROUVAIT UNE
COUPURE LONGITUDINALE :
C’ÉTAIT LES VIVANTS QUI AVAIENT RETIRÉ AUX MORTS
LE FOIE
ET LES REINS POUR LES MANGER :
SEULE CHAIR QUI RESTAIT ENCORE
SUR LES CADAVRES... »
Et je me souviens soudainement d'un film très ancien
dans lequel le criminel demandait :
« De quoi est fait un homme, monsieur le commissaire ?
Et dans ses yeux on lisait la peur
de ceux qui voient un abîme et n'en connaissent pas le fond...
De quoi est fait un homme ? De quoi sont faits les hommes
qui ont brûlé vifs d'autres hommes ? Qui ont fait mourir
des centaines d'enfants
de faim et de peur, esclaves comme leurs parents ?
qui ont tué ou laissé mourir des hommes par millions,
qui les faisaient descendre jusqu'au fond
de la dégradation,
torturés, affamés, réduits à l'état de plaie et de squelette ?
C'était ces mêmes hommes
qui faisaient peu de cas de la liberté,
qui venaient sauver le monde du désordre,
qui venaient enseigner L'ORDRE à la planète !
Oui, qui apportaient la paix avec les barreaux des prisons,
l'ordre avec les chambres de torture ...
Et puis la musique arrive, lente et caressante,
qui prétend éteindre l'ignominie qu'ils ont jetée
sur la terre !
Qui prétend nous faire oublier l'abjection de ceux
qui rêvaient
d'effacer de la terre l'insoumission de l'homme libre !
Non – ni prisons, ni déportations, ni représailles, ni tortures
ne mettront jamais fin à l'insoumission de l'homme libre,
de l'homme libre dans les chaines, chantant
sous la torture,
car il voit devant lui ses frères qui se sont battus,
et qui-sont-tombés, afin que toujours d'autres se dressent,
criant avec des voix toujours nouvelles
QUE L'HOMME NE SE SOUMETTRA PAS À LA VIOLENCE !
Hommes sans parti et de tous les partis,
qui sont nés avec la révolte parce qu'il ne vaut pas
la peine de vivre si l'on est esclave,
hommes sans parti et de tous les partis –,
à l'exception de ceux
qui ne savent dire que ORDRE ! et proclament la VIOLENCE !
ceux qui réclament du sang parce qu'ils sont sanguinaires, oui,
mais aussi tous ceux qui n'ont jamais rien voulu savoir,
disant « Il est impossible que soient torturés
les prisonniers politiques »,
ceux qui ne peuvent pas y croire
car ils ne veulent pas être incommodés par la pestilence
des crimes commis en leur nom
– pour qu'ils puisse continuer de croire que l'ORDRE
n'est rien que le bâillon
sur les bouches libres qui-vont-hurler jusqu'à la fin du monde
QUE SEUL L'HOMME LIBRE EST DIGNE D'ÊTRE HOMME !
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Félix Nussbaum Le Triomphe de la mort (1944) |
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