Narciso cego


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Thiago de Mello »»
 
Narciso Cego (1952) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Narciso cego
Narcisse aveugle


Tudo o que de mim se perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio - não me freqüento.
 
Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distinguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.
 
Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.
 
Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo - pânico mudo -
entre o sonho e o sonhador.

Tout ce qui de moi est perdu
vient s'ajouter à ce que je suis.
Pourtant, je ne me reconnais plus,
et moi-même, aux alentours
je passe – sans me fréquenter.

Au-dessus d'une source déserte
et farouche flotte parfait mon visage.
Mais je ne me vois jamais : je reste
devant lui à demi dissimulé.
Qu'il est amer de ne pouvoir
contempler face à face
cet inconnu que je suis ;
distinguer jusqu'à quel point
je suis celui que je porte en moi
ou un nombre indéchiffrable
qui (pour exister) vient vivre
avec moi, au-dedans de moi,
mais m'abandonne si je déboule
sur les pentes du monde.

Je me débarrasse de mes rêves :
Je me fais le rêve de quelqu'un
occulté. Peut-être un Dieu
qui rêve en moi, et convoite
ce que j'ai sans jamais m'en servir.

Aveugle ainsi, je ne peux me déchiffrer.
Et de me l'imaginer en rêve
ne me satisfait point : l'âpreté
d'être tout entier me poursuit.
Et j'hésite – muette panique –
entre le rêve et le rêveur.

________________

École de Giovanni Antonio Boltraffio
Narcisse (1500 circa)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (9) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)