Psicologia da composição


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
João Cabral de Melo Neto »»
 
Psicologia da composição (1947) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Psicologia da composição
Psychologie de la composition


1.
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.

Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.

Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;

talvez, como a camisa
vazia, que despi.

2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.

Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.

Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;

como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.

3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;
pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.

(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)

Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.

(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)

4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.

(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)

5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.

Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)

que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.

6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;

não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;

mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,

aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.

7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.

É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.

É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.

8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.

(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!

Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:

então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;

onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.
1.
Je quitte mon poème
comme on se lave les mains.

Certains sont devenus coquillages,
que le soleil de l'attention
a cristallisé ; certaines paroles
s'épanouissant, comme un oiseau.

Certains, ceux-là peut-être,
coquillages (ou des oiseaux) rappellent,
concave, le corps du geste
disparu que l'air déjà remplit ;

comme la chemise vide,
peut-être, dont je me dépouille.

2.
Cette feuille blanche
m'interdit le rêve,
m'incite à écrire des vers
nets et précis.

Je me réfugie
sur cette plage pure
où rien n'existe
sans que vienne la nuit.

S'il n'y a pas de nuit
cesse toute source ;
s'il n'y a pas de source
cesse toute fuite ;

s'il n'y a pas de fuite
rien ne rappelle le cours
de mon temps, au vent
en lequel le temps souffle.

3.
Sur ce papier
ton sel peut
virer au gris;
le citron peut
devenir pierre ;
le soleil de la peau,
le blé du corps
virer au gris.

(Aussi, révère
la jeune journée
sur les fleurs
de la veille.)

Sur ce papier
bientôt se faneront
les violettes, chaudes
fleurs morales;
toutes les fluides
fleurs pressées;
toutes les humides
fleurs du rêve.

(Espère, aussi
que la jeune journée
vienne et te révèle
les fleurs de la veille.)

4.
Le poème, et ses chevaux,
veulent faire exploser
ton temps libre ; rompant
son fil blanc, son ciment
frais et muet.

(La négligence a fini
grande ouverte ;
un rêve est passé, laissant
des filets, des arbres aussitôt instantanés
coagulant à la paresse.)

5.
Je vis avec certaines paroles,
abeilles domestiques.

Du jour ouvert
(blanc parasol)
ces fuseaux lucides retirent
le filet de miel
(du jour aussi qui s'est ouvert
comme une fleur)

qui, dans la nuit
(puits où va tomber
la fleur aérienne)
persistera : blonde
saveur et qui s'oppose,
acide, au sucre du pauvre.

6.
Non la forme trouvée
comme un coquillage, perdue
dans les sables mouvants
comme des cheveux ;

non la forme obtenue
avec une sainte ou rare impulsion,
tir sur les lièvres de verre
de l'invisible ;

mais la forme touchée
du bout de la pelote
qu'une attention, lente,
déroule,

araignée ; comme au plus extrême
de ce fil fragile, qui se rompt
toujours, sous le poids des mains
énormes.

7.
Il est minéral le papier
où s'écrit
le vers ; le vers
qu'il est possible de non-faire.

Elles sont minérales
les fleurs et les plantes,
les fruits, les animaux
rendus à l'état de parole.

Elle est minérale
la ligne d'horizon,
nos noms, ces choses
faites de paroles.

Sont minéraux, enfin,
certains livres :
comme est minérale la parole
écrite, la fraîcheur naturelle
de la parole écrite.

8.
Cultiver le désert
comme un verger renversé.

(L'arbre distille
la terre, goutte à goutte ;
la terre entière
tombe, est fruit !

Tandis que dans l'ordre
d'un autre verger
l'attention distille
des paroles mûres.)

Cultiver le désert
comme un verger renversé :

Dès lors, il n'y a plus rien
à distiller ; qui s'évapore ;
où fut la pomme
reste une faim ;

où fut le mot
(poulains ou taureaux
contenus) reste la sévère
forme du vide.
________________

Balthasar van der Ast
Nature morte avec fleurs, coquillages et insectes (1635)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (11) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Brasileiro (1) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (108) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (467) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (279) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)