A verdade histórica


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Ana Luisa Amaral »»
 
Minha Senhora de Quê (1990) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


A verdade histórica
La vérité historique


A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer6
a cozinha.
 
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
 
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
 
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
 
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.
 
Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
Ma fille a cassé son bol
dans la cuisine.
Et moi qui étais d'humeur à écrire
sur l'événement,
j'ai dû mettre de côté inspiration et crayon,
pour prendre un balai et balayer
la cuisine.

La cuisine balayée de son bol
était différente de la cuisine
avec son bol intact :
site adapté aux fouilles et à l'étude,
petite carte archéologique
d'un futur lointain.

Un bol en faïence blanche
avec des fleurs,
des restes de céréales conditionnées
sous un emballage hermétique
éparpillés sur le sol.

Ce n'était pas les grains de blé de Pompéi,
mais de respectables céréales
en quelque sorte.
Et le bol, bien qu'il ne soit pas de la dynastie Ming,
mais des Caldas,
d'ici cinq ou dix mille ans
devrait hérité d'un statut admirable.

Mais l'hécatombe
s'est produite.
Et il a glissé des petites mains,
vite oublié par la gloire et le profit,
balayures de balai balayées des souvenirs.

Jusqu'au misérable et cruel seau d'ordures
bleu
en plastique moderne
(indestructible)
________________

Édouard Pignon
Femme au bol (1943)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (435) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (252) Reinaldo Ferreira (22) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)