Lugares comuns


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Ana Luísa Amaral »»
 
Coisas de partir (1993) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Lugares comuns
lieux communs


Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também,
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mais adiante)

Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.

Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...

E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu

Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell
ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber

E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
Como quem diz: That's it

e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte

e pensei que afinal não interessa Londres
 ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são
Je suis entrée à Londres
dans un café malfamé (il n'y a pas que chez nous
qu'il y a des cafés borgnes, chez les Anglais aussi,
et il se passe des choses bien plus louches, aujourd'hui
en Écosse, dans certaines régions d'Irlande et les
petits îlets, au large).

Je suis entrée à Londres
dans un café malfamé, encore pire que notre bar
de la plage (je dis ça pour ceux qui n'ont pas
la moindre idée de ce qui peut se passer dans ces lieux), c'était
vraiment borgne,
pas malveillant, mais borgne
dans notre argot, c'est-à-dire plein de voies de garage
et de cuisine sale. Très bon marché.

Bien sûr, mes préjugés de femme
sont ressortis, car dans ce café, il n'y avait que des hommes
mangeant du bacon, des œufs fris et des tomates
(au Portugal, ce serait des sandwichs au fromage),
mais je me suis dit : je suis à Londres, je suis
seule, je ne me soucie pas des hommes, les anglais
ne s'impliquent pas de la même manière
que les nôtres, etc...

Et j'entrais là, dans ce café malfamé, avec l'arbre
en plastique dans un coin.
Ce n'est qu'après l'entrée que j'ai vu une femme
assise en train de lire quelque chose. Et je me suis sentie
plus forte, je ne sais pourquoi, mais je me suis sentie plus forte.
C'était une tribu de vingt-trois hommes et d'une seule femme
et puis moi

Là j'ai commandé un café, qui n'était pas mauvais
pour ce genre de café, et l'homme
qui m'a servi m'a dit : Voilà, ma jolie".
J'ai eu envie de répondre : Je ne suis pas votre foutu jolie ou
Va te faire voir ou quelque chose comme ça, mais ensuite
j'ai pensé : C'est déjà tellement ancré
dans leur culture et l'intention n'était pas mauvaise,
et je vais bientôt partir d'ici, j'ai un avion,
et puis je m'en fiche.

J'ai payé mon café, qui n'était pas mauvais du tout,
et je suis resté là un moment à regarder autour de moi
toute la tribu qui mangeait ses œufs et son bacon,
puis j'ai vu l'heure et j'ai pensé que le taxi
arrivait et que je devais partir.
Et comme j'étais sur le point de me lever, la femme a souri
comme pour dire : C'est ça.

et j'ai regardé en me retournant le bacon
et les œufs et les hommes qui mangeaient
et je me suis sentie plus forte, je ne sais pourquoi,
mais je me suis sentie plus forte

et j'ai pensé, peu importe après tout, que ce soit à Londres ou
  chez nous,
on trouve partout
les mêmes choses louches
________________

Juan Gris
Petit déjeuner (1914)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (435) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (252) Reinaldo Ferreira (23) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)