Meditação na pastelaria


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Alexandre O'Neill »»
 
No Reino da Dinamarca (1958) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Meditação na pastelaria
Réflexions dans la pâtisserie


 Por favor, Madame, tire as patas,
 Por favor, as patas do seu cão
 De cima da mesa, que a gerência
 Agradece.

Nunca se sabe quando começa a insolência!
Que tempo este, meu Deus, uma senhora
Está sempre em perigo e o perigo
Em cada rua, em cada olhar,
Em cada sorriso ou gesto
De boa-educação!

A inspecção irónica das pernas,
Eis o que os homens sabem oferecer-nos,
Inspecção demorada e ascendente,
Acompanhada de assobios
E de sorrisos que se abrem e se fecham
Procurando uma fresta, uma fraqueza
Qualquer da nossa parte...

Mas uma senhora é uma senhora.
Só vê a malícia quem a tem.
Uma senhora passa
E ladrar é o seu dever – se tanto for preciso!

 *
O pó de arroz:
Horrível!
O bâton:
Igual!

O amor de Raul é já uma saudade,
Foi sempre uma saudade...
(O escritório
Toma-lhe o tempo todo? Desconfio que não...)

Filhos tivemos um:
Desapareceu...
E já nem sei chorar!

 *
Chorar...
Como eu queria poder chorar!

Chorar encostada a uma saudade
Bem maior do que eu,
Que não fosse esta tristeza
Absurda de cada dia:
Unha
Quebrada de melancolia...

Perdi tudo, quase tudo...

Hoje,
Resta-me a devoção
E este pequeno inteligente cão.

 Por favor, Madame, tire as patas,
 Por favor, as patas do seu cão
 De cima da mesa, que a gerência
 Agradece.

 S'il vous plaît, Madame, ôtez ces pattes,
 S'il vous plaît, les pattes de votre chien
 Sur la table, quel sans-gêne
 Merci.

On ne sait jamais où commence l'insolence !
Quelle époque, mon Dieu, une dame
est toujours en danger et le danger est
Dans chaque rue, dans chaque regard,
Dans chaque sourire ou geste
De bonnes éducations !

L'inspection ironique des jambes,
Voilà ce que les hommes savent nous offrir,
Inspection longue et ascendante,
Accompagnée de sifflets
Et des sourires qui s'ouvrent et se ferment
Cherchant une faille, une faiblesse
De notre part ...

Mais une dame est une dame.
Seuls voient la malice ceux qui en ont.
Une dame passe
Et aboyer est leur devoir - tout au plus un besoin !

 *
La poudre de riz :
Horrible !
Le rouge à lèvres :
Pareil !

L'amour de Raoul est un regret, désormais,
Ce fut toujours un regret ...
(Le bureau
Cela lui prenait-il tout son temps ? Je suppose que non ...)

Des enfants, un seul :
Disparu ...
Et je n'ai même plus de larmes !

 *
Pleurer ...
Comme j'aimerais pouvoir pleurer !

Pleurer sous le poids des regrets
Bien trop lourd pour moi,
Qui n'aie eu que cette tristesse
Absurdité de chaque jour :
Ongle
Brisé de la mélancolie ...

J'ai tout perdu, presque tout ...

Aujourd'hui,
Il me reste la dévotion
Et ce petit chien intelligent

 S'il vous plaît, Madame, ôtez ces pattes,
 S'il vous plaît, les pattes de votre chien
 Sur la table, quel sans-gêne
 Merci.

________________

Pietro Marussig
Femmes au café (1924)

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (8) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (428) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (247) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)