Um Adeus Português


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Alexandre O'Neill »»
 
No Reino da Dinamarca (1958) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Um Adeus Português
Un adieu portugais


Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros pura e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Dans tes yeux hautement périlleux
vit encore le plus rigoureux des amours
l'éclat de lumière des épaules et l'ombre
d'une angoisse désormais purifiée

Non tu ne pouvais pas rester attachée avec moi
à la roue sur laquelle je pourris
où nous pourrissons
à cette patte ensanglantée qui vacille
presque méditative
et s'avance et mugit dans le tunnel
d'une vieille douleur

Tu ne pouvais pas rester sur cette chaise
où je passe mes journées bureaucratiques
ce quotidien de la misère
qui monte aux yeux arrive aux mains
aux sourires
à l'amour mal orthographié
à l'hébétude au désespoir sans voix
à la peur qui se profile
à la joie somnambule à la virgule maniaque
de cette manière de vivre du fonctionnaire

Tu ne pouvais pas rester dans ce lit avec moi
en transit mortel jusqu'à ce jour sordide
canin
policier
jusqu'à ce jour qui ne vient pas de la promesse
d'un matin immaculé
mais de la misère d'une nuit engendrée
par un jour égal

Tu ne pouvais pas être attachée avec moi
à la petite douleur que chacun d'entre nous
prend doucement par la main
cette petite douleur à la portugaise
si douce quasi végétale

Mais tu ne méritais pas cette ville ne méritais pas
cette roue de nausée dans laquelle nous tournons
jusqu'à l'idiotie
cette petite mort
et son rituel minutieux et porcin
notre absurde raison d'être

Non tu es de cette ville aventureuse
cette ville où l'amour découvre ses rues
et l'ardent cimetière
de sa mort
tu es de la ville où tu vis par un fil
de pur hasard
où tu meurs ou tu vis non de suffocation
mais entre les mains aventureuses d'un commerce pure
sans la fausse monnaie du bien et du mal

Dans cette courbe si tendre et lancinante
qui assistera bientôt à ta disparition
Je te dis adieu
et comme un adolescent maladroit
je trébuche de tendresse
pour toi

________________

José Malhoa
O Fado (1910)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (10) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)