Amar


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Carlos Drummond de Andrade »»
 
Claro enigma (1951) »»
 
Italien »»
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Amar
Aimer


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Une créature, que peut-elle sinon
aimer d'autres créatures ?
aimer et oublier, aimer et mal aimer,
amour, désamour, amour ?
et jusqu'à l’œil vitreux du temps, aimer toujours ?

Que peut faire, dites-moi, l'être seul,
amoureux, dans la ronde universelle,
sinon tourner aussi, et aimer ?
aimer ce que la mer apporte à la plage,
ce qu'elle enterre, et ce qui, dans la brise marine,
est sel, ou besoin d'amour, ou simple désir ?

Aimer solennellement les palmiers du désert,
ce qui est délivrance ou impatiente adoration,
et aimer l'inhospitalier, le cru,
un vase sans fleurs, un sol d'acier,
inerte la poitrine, et la vue en rêve d'une rue, et
cet oiseau de proie.

Tel est notre destin : l'amour sans cesse,
distribué par les choses perfides ou nulles,
donation illimitée à une totale ingratitude, et
dans la coquille vide de l'amour la quête effrayante,
patiente, de toujours plus d'amour.

Aimer notre propre manque d'amour,
et dans l'opacité de notre amour l'eau implicite,
le baiser tacite, et la soif infinie.

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Marc Chagall
Moi et mon pays (1911)
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