Ouvi dizer que os bárbaros


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Manuel Alegre »»
 
Babilónia (1983) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Ouvi dizer que os bárbaros
J'ai ouï dire que les barbares


Este é tempo de facto e de notícia.
Não ouves o rumor do acontecer?
A fonte do petróleo (diz-se) vai secar
verás a Europa à luz de uma candeia
verás a giesta e a catedral
a flor e a pedra
a breve eternidade dentro do efémero.
 
E quem dirá ó Dante
a ordem que termina?
 
Talvez um mensageiro chegue ao amanhecer.
Ouvi dizer que os bárbaros estão dentro da cidade
mas ainda há pão e circo
alguns Calígulas
e longas filas de automóveis ao domingo.
 
Em Stratford-on-Avon o rio corre
e a inflação aumenta na Primavera.
Como cantar sem que o poema seja
uma história narrada por um louco
num palco vazio
para ninguém?
 
Em Stratford-on-Avon o rio corre
sobem salmões as águas da Galiza
e num lugar chamado Chãs
em Águeda
as laranjeiras começam a dar flor.
 
Junto à fronteira em aldeias muito velhas
ainda cheira a pão.
Verás a toalha branca sobre a mesa
um cheiro a linho e hortelã
ou talvez ao bolor que vem das arcas
junto à fronteira em aldeias muito velhas.
 
Talvez se encontre um espaço para o homem
não propriamente o frigorífico
nem a ilusão de domingo
talvez se encontre ainda um espaço
como um pouco de pão em cima
da toalha branca. Ou talvez a alegria
nos lagares de Setembro.
 
Repara como Roma se esgota
nas suas hombas
de gasolina. São longas
intermináveis
filas
de solidão.
Este é o tempo do homem exilado
nas ruas sem alma
de uma cidade estrangeira.
Ó solidão solidão
sombras e sombras na Via Appia.
 
Poderás ainda olhar as vinhas
nas encostas do Reno. Ou então beber cerveja
numa taberna velha de Estrasburgo.
Se tiveres sorte poderás ouvir
um canto muito belo
na Catedral de Metz.
 
E também o murmúrio do Trastevere
olhar a Piazza Navona
e pensar nos momentos altos
de Roma tão antiga.
 
Mas há um cronómetro no ritmo do teu sangue
e os teus sentidos já não sabem
o ciclo das estações.
Quem pode ainda povoar de azul
os pátios do olhar?
 
Os bárbaros estão dentro da cidade
talvez até dentro de ti.
Não ouves o rumor? É Roma a rastejar
nas auto-estradas da tristeza
ou talvez Átila que passa
com seus corcéis de sonho e de sucata.
 
E como esconjurar tantos presságios?
Dizer por exemplo: Eis aqui
a nova ordem dos séculos.
 
Talvez um mensageiro chegue ao amanhecer.
E não sei ó Virgílio se o mel correrá
como orvalho do tronco dos carvalhos.
 
Talvez ainda o linho e a hortelã
talvez ainda o vinho
a velha mesa
uma branca ternura
um pouco
um pouco de beleza.

C'est le temps des faits et des nouvelles.
N'entends-tu pas la rumeur des évènements ?
La source du pétrole (dit-on) va se tarir
et tu verras l'Europe à la lumière d'une chandelle
tu verras le genêt et la cathédrale
la fleur et la pierre
la brève éternité au-dedans de l'éphémère.

Et qui dira ô Dante
l'ordre qui prend fin ?

Peut-être un messager va-t-il arriver ce matin
J'ai ouï dire que les barbares était dans la ville
mais il y a encore du pain et des jeux
quelques Caligulas
et de longues files d'automobiles le dimanche.

À Stratford-on-Avon il coule un fleuve
et l'inflation augmente au Printemps.
Comment chanter sans que le poème soit
une histoire narrée par un fou
sur une scène vide
et pour personne ?

À Stratford-on-Avon il coule un fleuve
des saumons remontent les eaux de la Galice
et dans un lieu appelé Chãs
près de Águeda1
les orangers commencent à fleurir.

Près de la frontière dans de très anciens villages
sentant encore le bon pain,
tu verras la nappe blanche sur la table
et son odeur de lin et de menthe
ou de ce moisi peut-être qui vient des bahuts
près de la frontière dans de très anciens villages.

Peut-être va-t-on trouver un espace pour l'homme
qui soit autre chose que le réfrigérateur
ou l'illusion du dimanche
peut-être va-t-on trouver encore un espace
comme un peu de pain sur
une nappe blanche. Ou peut-être la joie
dans les pressoirs de Septembre.

Vois comment Rome s'épuise
dans ses pompes
à essence. Ce sont de longues
interminables
files
de solitude.
Voici le temps de l'homme exilé
dans les rues sans âme
d'une ville étrangère.
Ô solitude solitude
ombres et ombres sur la Voie Appienne.

Tu pourras aussi regarder les vignes
sur les coteaux du Rhin. Ou encore boire de la bière
dans une vieille taverne de Strasbourg.
Et si tu as de la chance tu pourras écouter
un chant très beau
dans la Cathédrale de Metz.

Et peut-être le murmure du Transtévère
voir la Place Navone
et songer aux illustres moments
d'une Rome très antique.

Mais il y a un chronomètre au rythme de ton sang
et tes sens ne savent plus déjà
le cycle des saisons.
Qui peut encore peupler d'azur
les patios du regard ?

Les barbares étaient dans la ville
et peut-être jusqu'en toi-même.
N'entends-tu pas la rumeur ? C'est Rome qui se traine
sur les autoroutes de la tristesse
ou peut-être Attila qui passe
avec ses coursiers de rêve et de mitraille.

Et comment conjurer tant de présages ?
Dire par exemple : Voici
le nouvel ordre des siècles.

Peut-être un messager va-t-il arriver ce matin.
Et je ne sais ô Virgile si le miel coulera
comme la rosée du tronc des chênes.

Peut-être encore le lin et la menthe
peut-être encore le vin
la vieille table
une blanche tendresse
un peu
un peu de beauté.

________________

Pierre Mortier
Roma, Piazza del popolo (1724)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (19) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (429) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (248) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)