Coração polar


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Manuel Alegre »»
 
Senhora das Tempestades (1998) »»
 
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Coração polar
Cœur polaire


Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.

Je ne sais de quelle couleur sont les navires
lorsqu'ils font naufrage entre tes bras
Je sais qu'il y a un corps jamais rencontré ailleurs
et que ce corps vivant est ton corps immatériel
ta promesse à tous les mâts de tous les voiliers
l'île parfumée de tes jambes
ton ventre de coquillages et de coraux
La grotte où tu m'attends
avec tes lèvres d'écume et de limons
tes épaves
et la grande équation du vent et des voyages
où l'aventure fleurit avec ses miroirs
et ses pistes de rose et d'inventions.

Je ne sais de quelle couleur est cette ligne
où se croise la lune et la mâture
mais je sais qu'en chaque rue il y a une percée
une ouverture entre la routine et la merveille
qu'il y a une heure de feu pour le bleu
une heure pour te rencontrer sans te trouver.
un angle, autrement dit
une géométrie magique où tout peut être possible
Qu'il y a une mer imaginaire ouverte en chaque page
Ne viens pas me dire que les routes
jamais plus ne naitront du désir
et je veux voir la Croix du Sud entre tes mains
Je veux que ton nom soit écrit sur les marées.
dans les cités dans tous les lieux les plus extravagants
dans les sens interdits et les feux de circulation
les couchers de soleil qui me disent qui tu es.

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Maria Helena Vieira da Silva
Naufrage (1944)
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