Uma toupeira na calçada


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Uma toupeira na calçada
Une taupe sur le trottoir


Vi uma toupeira na calçada.

As toupeiras não se dão bem em calçadas
– elas que têm no solo arável o seu habitat –
mas aquelas estava ali inexplicavelmente.

Uma aventura que acabou mal,
pensei para comigo.

A toupeira extraviada na calçada
esbracejava (se assim se pode dizer)
como um náufrago que não tem bóia nem tábua.

Tentava refugiar-se na terra
a que pertencia. Mas, desfavorável,
a pedra não se deixava fender das suas unhas,
tal como a água se não deixa nadar
do desespero do náufrago
que não tem tábua nem bóia.

Estava-se mesmo a ver como a coisa ia acabar.

Enquanto tivesse forças, a toupeira,
embora perplexa daquele lugar hostil,
continuaria sempre a esbracejar,
arranhando em vão a pedra da calçada.
Depois, algum gato havia de passar por ali
(há sempre um gato que passa ‘por ali’)
e daria o remate apropriado
a esta história sem história.
No fim de contas, uma toupeira é um rato,
não é verdade? (Pergunta o gato.)

Meditando na sorte da toupeira,
enquanto o gato ainda anda por longe,
ocorreu-me então que a calçada
podia muito bem ser um espelho
e a toupeira naufragada
a nossa imagem reflectida nele.

Toupeira em calçada todos nós.
J'ai vu une taupe sur le trottoir.

Les taupes ne sont pas à l'aise sur les trottoirs
– elles qui font des sols labourés leur habitat –
mais celle-ci était là inexplicablement.

Cette aventure va mal finir,
pensai-je par devers moi.

La taupe extravaguait sur le trottoir
remuait les bras (si je puis m'exprimer ainsi)
comme un naufragé sans bouée ni planche.

Elle tenta de se réfugier sous la terre
à laquelle elle appartient. Mais, par malchance,
une pierre l'empêchait de la fendre de ses ongles,
pareil à l'eau qui contrarie la nage
de désespoir du naufragé
qui ne possède ni planche ni bouée.

On se demandait comment la chose allait finir

Tant qu'elle en eut la force, la taupe,
bien que perplexe devant ce lieu hostile,
continua toujours à remuer ses bras,
en vain grattant la pierre du trottoir.
Puis, vint un chat qui passait par là
(il y a toujours un chat qui passe par là)
et qui donna une fin appropriée
à cette histoire sans histoire.
Après tout, une taupe est une souris,
n'est-ce pas ? (Demandez au chat.)

Méditant sur les chances de la taupe,
alors que le chat s'éloigne maintenant,
il m'est venu à l'esprit que ce trottoir
pourrait très bien être un miroir
et la taupe naufragée,
notre image qui s'y reflète.

Taupe sur le trottoir, tous.nous sommes.
________________

Franz Marc
Tyrol (1914)
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