Meu rosário


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Meu rosário
Mon chapelet


Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.
Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo
padres-nossos e ave-marias.
Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques do meu povo
e encontro na memória mal adormecida
as rezas dos meses de maio de minha infância.
As coroações da Senhora, onde as meninas negras,
apesar do desejo de coroar a Rainha,
tinham de se contentar em ficar ao pé do altar
lançando flores.
As contas do meu rosário fizeram calos nas minhas mãos,
pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,
nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo.
As contas do meu rosário são contas vivas.
(Alguém disse um dia que a vida é uma oração,
eu diria, porém, que há vidas-blasfemas).
Nas contas de meu rosário eu teço entumecidos
sonhos de esperanças.
Nas contas de meu rosário eu vejo rostos escondidos
por visíveis e invisíveis grades
e embalo a dor da luta perdida nas contas de meu rosário.
Nas contas de meu rosário eu canto, eu grito, eu calo.
Do meu rosário eu sinto o borbulhar da fome
no estômago, no coração e nas cabeças vazias.
Quando debulho as contas do meu rosário,
eu falo de mim mesma em outro nome.
E sonho nas contas de meu rosário lugares, pessoas,
vidas que pouco a pouco descubro reais.
Vou e volto por entre as contas de meu rosário,
que são pedras marcando-me o corpo-caminho.
E neste andar de contas-pedras,
o meu rosário se transmuda em tinta,
me guia o dedo,
me insinua a poesia.
E depois de macerar conta por conto do meu rosário,
me acho aqui eu mesma
e descubro que ainda me chamo Maria.
Mon chapelet est fait de graines magiques et noires
Sur les graines de mon chapelet, je chante Mamma Oxum et dis
des Pater Noster et des Ave Maria.
Avec lui, j'entends les fla lointains des tambours de mon peuple.
et je trouve dans ma mémoire à peine endormie
les prières des mois de mai de mon enfance.
Les couronnements de la Vierge, où les filles noires
malgré leur désir de couronner la reine,
devaient se contenter de se tenir au pied de l'autel
en jetant des fleurs.
Les graines de mon chapelet me donnaient des cals aux mains,
car elles sont graines du travail aux champs, dans les usines,
les maisons, les écoles, les rues, dans le monde.
Les graines de mon chapelet sont des graines vivantes.
(Quelqu'un a dit un jour que la vie est une prière,
Je dirais cependant qu'il existe des vies-blasphèmes).
Sur les graines de mon chapelet je tisse des intumescences
des rêves d'espoir.
Sur les graines de mon chapelet, je vois des visages cachés.
par de visibles et d'invisibles graduations
et berce ma douleur du combat perdu en égrenant mon chapelet.
Sur les graines de mon chapelet, je chante, je pleure, je me tais.
En lui je sens le bouillonnement de la faim
dans les estomacs, les cœurs, dans les têtes vides.
Lorsque je fais glisser les grains de mon chapelet
je parle de moi sous un autre nom.
Et je rêve sur les graines de mon chapelet des lieux, des gens,
des vies que je découvre, peu à peu, être réelles.
Je vais et je viens entre les graines de mon chapelet,
qui sont des pierres marquant mon corps-chemin.
Et dans cette marche de graines-pierres
mon chapelet se transforme en encre,
un doigt me guide,
insinue en moi de la poésie.
Et après avoir fait macérer graine après graine mon chapelet
Je me retrouve moi-même ici
et découvre que mon nom est toujours Maria.
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Carybé
Acarajé (1953)
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